Minha filha nunca saberá o que é comer um pão de queijo amaecido. Gostaria de dizer que ela perde algo com isso.
Pão de queijo: memória emotiva da infância.
Por Alexandre Kawakami*
Lembrança de minha infância era a empregada lá de casa sovando pão de queijo horas a fio. Lá em casa, a manufatura do pão de queijo era atividade que ocorria uma vez a cada duas ou três semanas. Dava muito trabalho, e a moça que trabalhava lá em casa, coitada, não era nem prestativa e nem simpática. Cansei de contar as vezes em que encontrei, como resposta aos meus pedidos pela iguaria, gritos, ameaças, gozações e até mesmo um eventual tapa. Minha mãe, que trabalhava fora e não tinha outra pessoa de confiança, dizia desencantada: tenha paciência.
Ah, mas quando ficava pronto... Era uma montanha de pão de queijo que eu e meus irmãos labutávamos para consumir toda. Lutávamos para comer o máximo que conseguíamos não só porque era bom, mas porque o que a gente não comia ia para uma caixa redonda de biscoito de lata, ou uma vasilha de sorvete Kibon. E lá ficava, porque depois de comer tanto pão de queijo, ninguém mais queria ver a coisa. E ela ia mudando, endurecendo, e o que a gente chama de pão de queijo hoje não é nada além do que a primeira fornada mais saborosa do que a gente comia.
Não, na minha lembrança de infância pão de queijo era uma massa velha, endurecida, um biscoito quase crocante se não fosse amaecido. Enchatado pelo peso de seus pares e encharcado de óleo, depois de um tempo era mais um passivo do que uma iguaria. Tentávamos assá-lo novamente, passar no fogo, mas não adiantava: pão de queijo passado é pão de queijo no passado. Fazíamos o que podíamos porque a moça que trabalhava lá em casa era categórica: só sovaria nova remessa se comêssemos o que tinha.
Um dia, a moça inventou de botar cravo no pão de queijo. Acho que passamos quase meio ano com aquela bruxaria na lata de biscoito em cima da mesa. Tinha transtorno bipolar, a moça. Quando saiu de casa, quis levar minha irmã com ela. Quase deu polícia.
Foi no Japão, anos depois, numa loja de produtos brasileiros, que me encontrei com uma massa de pão de queijo que só requeria ovos e uns cinco minutos de sova. E logo logo, inventam o pão de queijo instantâneo. Hoje, de volta ao Brasil, meu problema é decidir qual das marcas de pão de queijo congelado levo pra casa: o da marca X é muito barato; mas o da marca Y tem mais queijo; a do supermercado Z fica mais crocante. A do supermercado W me lembra as primeiras fornadas do que comia na infância, e sempre fico na dúvida se levo.
Minha filha nunca vai saber o que é comer um pão de queijo amaecido numa lata depois de uma semana. Gostaria de dizer que ela perde algo com isso. Nesse caso, entretanto, a nostalgia é o recurso do hipócrita.
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário