quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Os fundamentos da economia solidária



O lugar fundamental da mulher é reconhecido em uma economia fundada na solidariedade. (Foto: PMVC/Divulgação)

Marcus Eduardo de Oliveira

Edificar uma sociedade melhor, mais humana e mais social, passa inequivocamente por elaborar outro modelo econômico, posto a serviço das comunidades mais carentes. Esse outro modelo econômico pode perfeitamente ser algo que já vem ocorrendo em larga escala e que atende pelo nome de economia solidária.

Qual o princípio básico e quais os fundamentos dessa chamada economia solidária? 

Tendo por base a “Carta de Princípios”, elaborada no Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), a “Economia Solidária constitui o fundamento de uma globalização humanizadora, de um desenvolvimento sustentável, socialmente justo e voltado para a satisfação racional das necessidades de cada um e de todos os cidadãos da Terra seguindo um caminho intergeracional de desenvolvimento sustentável na qualidade de vida”. 

Os princípios gerais da economia solidária, grosso modo, podem ser agrupados da seguinte maneira:

- Promover a valorização social do trabalho humano;

- Reconhecer o lugar fundamental da mulher e do feminino numa economia fundada na solidariedade; 

- Buscar uma relação de intercâmbio respeitoso com a natureza, e os valores da cooperação e da solidariedade, entendendo serem esses os caminhos que tendem a valorizar os seres humanos, independente da cor de pele, sexo, idade, orientação sexual, condição econômica ou cultural.

Portanto, o modelo de economia solidária respeita, antes de qualquer coisa, a geração presente, priorizando, valorizando e enaltecendo o ser humano, em lugar de centralizar esforços para a acumulação de capital. 

Logo, é um modelo de engenharia econômica que refuta a acumulação de capital e prioriza o atendimento social. Nesse modelo, as necessidades humanas passam a ser o ponto principal da economia.

Esse novo modelo econômico, solidário e participativo por natureza, mais ético e menos mercantil por essência, está emergindo à medida em que oferece condições necessárias para diminuir a abissal lacuna existente entre o modo de viver dos mais ricos em relação aos mais pobres. 

Cabe lembrar, todavia, que as ideias de uma economia solidária não brotaram livremente no vazio; não surgiram do nada. A economia solidária surgiu dos excluídos da economia mundial. Desde seu surgimento, vem se relacionando intimamente à necessidade de superação dos conflitos sociais que permeiam as relações econômicas pautadas na competição desenfreada e sem escrúpulos que gera dessemelhança. 

É importante ter em conta que se há conflitos sociais a serem resolvidos, faz-se necessário fundar os argumentos da cooperação que se conduzirá ao estabelecimento de agrupamentos cooperados, estimulados pela partilha, pela assistência. 

Esse é mais um argumento em favor do discurso de que a partir da existência de uma crise qualquer se originam caminhos alternativos. Ao afiançar os entornos da cooperação-partilha, poder-se-á solidificar um novo modelo econômico. São vários os exemplos de empreendimentos solidários que valorizam, no íntimo, o papel de cada um que participa dessa jornada solidária. Contudo, foge do escopo deste artigo citar os muitos exemplos de empreendimentos solidários que estão dando certo e, de forma legítima, estão se solidificando como alternativa a atual engenharia econômica que produz perversidades em termos de desigualdades econômicas e sociais.

Contudo, voltando a discutir a temática da economia solidária, outro papel fundamental do empreendimento solidário que merece destaque é a práxis pedagógica implícita na cooperação. Explicando esse ponto: ao reunir-se um agrupamento de pessoas em torno de cooperativas deve-se aproveitar tal experiência para criar as condições necessárias para que os participantes se conscientizem de que uma vez reunidos em prol de objetivos únicos e comuns, tem-se a força necessária para se consolidar um movimento alternativo ao capitalismo de mercado. 

Nos modelos de economia solidária não há espaços para grupos dessemelhantes; eis porque o agrupamento em torno de objetivos comuns ganha relevância. A participação coletiva desperta em cada um o sentimento de se sentirem parte de um mesmo problema, sem espaço, portanto, para quaisquer diferenças.

Fortalecer esses princípios é uma das tarefas mais relevantes em torno da economia solidária. No íntimo, espera-se com isso colocar o atual sistema econômico de cabeça para baixo: tirá-lo da condição de aglutinar acúmulo de capital e coloca-lo, definitivamente, na rota dos serviços que são capazes de mudar a marcha da história, a fim de construir um mundo social menos injusto.

Carola Reintjes, economista espanhola que tem estudado com afinco essas questões, aponta que “a economia solidária tem potencial subversivo de empoderamento das comunidades e transformação social. Está ao alcance de nosso cotidiano, mas tem enorme potencial”. 

Não é apenas a reorganização mais justa e menos desigual em termos de atividade econômica que se procura com a economia solidária, “mas uma mudança das pautas de pensamento, organização pessoal e consumo” completa Reintjes. 

O valor central da economia solidária é o trabalho, o saber e a criatividade humanos, e não o capital-dinheiro e sua propriedade sob quaisquer de suas formas, aponta texto elaborado pelo Grupo de Trabalho de Economia Solidária (GTES). 

Talvez seja por isso que a economia solidária pode também ser identificada por outros nomes, tais como: economia social, socioeconomia, humanoeconomia, economia popular, economia de proximidade, economia de comunhão, economia da dádiva (gift economy).
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário