Sejam quem for, o incêndio que eles querem provocar pode destruir suas próprias casas.
Por Ricardo Soares*
Sim, você, prezado leitor, deve estar cansado a essa altura da quantidade de bons ou maus textos que se cometeram após o brutal assassinato do cinegrafista Santiago Andrade no centro do Rio de Janeiro. O caso é triste e deve ser apurado e punido até as últimas consequências. É o que todos queremos. Mas o que quero ponderar aqui com você é o seguinte: de onde vem tanta exacerbação dos ânimos? Por que chegamos a esse ponto? Não seria melhor não passar daí senão não dá pra voltar atrás? Onde foi que perdemos a nossa tão propalada cordialidade ou ela era apenas uma lenda urbana e rural ?
Como bem lembrou o professor Vladimir Safatle, em artigo na Folha de S. Paulo, o regime nazista propunha como questão central de sua retórica que “os homens comuns e os cidadãos de bem estão cansados da insegurança. Está na hora das atitudes enérgicas”. Sabemos posteriormente no que resultaram as atitudes enérgicas do regime nazista. Evidente que uma infeliz como a tal Sherazade não tem a ardilosidade nem a competência maléfica de um Goebbels, mas muitas vezes a ignorância na qual ela está imersa pode ser tão danosa quanto incitar com a gasolina do preconceito e da estupidez retórica reações a ações que por si já são incendiárias. A velha história de apostar no quanto pior melhor é mais do que temerária a essa altura dos fatos.
Apesar dessas ponderações, cabe as pessoas conscientes desse perigo apontar para as mazelas da condescendência com atitudes boçais. É hora de reagir com bons modos (que eles não tem) a atitudes irresponsáveis sejam elas orquestradas na mídia , partidos políticos e fascistoídes no atacado e varejo. Senão vem aquela velha máxima dita no poema "No Caminho com Maiakowski", escrito por Eduardo Alves da Costa que diz :
“Na primeira noite, eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada."
Ah, sim, o amável leitor pode ponderar que ao fazer alusão a esse poema estou me apropriando de um velho clichê de esquerda e etc, etc. Ok, pensem o que quiserem, meus caros. O importante é amplificarmos as vozes da pacificação e do comedimento, para não fazermos descarrilhar a carroça. As vozes do atraso estão onde sempre estiveram como também lembra o professor Safatle. Só mudaram as gerações. São os mesmos que apoiaram o golpe de 64, a escravidão, foram donatários das capitanias hereditárias, coronés, sinhôzinhos e sinházinhas que não gostam da patuleia nos aeroportos e assim por diante.
Não vamos esperar agora que sejam sensatos e que busquem entendimento. Mas não podemos recuar diante deles. O tal “verás que um filho teu não foge a luta” tem que valer pro lado do bom combate. Até que eles tenham vergonha daquilo que são, daquilo que representam e adquiram a consciência de que o incêndio que querem provocar pode destruir suas próprias casas.
* Ricardo Soares é diretor de TV, escritor , roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor , entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação.
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