terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O discurso que faltou... - Johan Konings

No início deste ano escolar, ou letivo, desejávamos ter ouvido uma voz, representativa por nossa nação, que anunciasse uma melhora real da educação. Não a ouvimos. E isso talvez seja realista, porque uma melhora real talvez não se deva esperar da atual estrutura da educação no país.

Explico. Que entendo por melhora real? Por melhora real não entendo o fato, inegável, de o Governo estar investindo no ensino muito mais do que antigamente. Porque esse investimento não melhora automaticamente o que chamo de educação. Não digo que o Governo não faz nada. Mas uma estatística que circulou nos jornais, uns meses atrás, me fez refletir. O Brasil investe um pouco menos, proporcionalmente, que os outros países (inclusive do Terceiro Mundo) no ensino básico, mas quatro vezes mais no ensino universitário. Constrói a casa a partir do teto. Agora quer que o teto baixe para a base, pelo incentivo à formação de operadores para o ensino básico. Tudo bem. Talvez não consiga fazer outra coisa. Mas por que não tentar começar pela base?

Aí entra um fator estrutural. No nível básico, o ensino público está nas mãos dos municípios e dos Estados. Isso tem sua lógica: estas instâncias estão mais próximas da população. E num Brasil plural, isso é importante. Mas será que estas instâncias têm condições para arcar com essa responsabilidade? Será que têm condições financeiras, em frente de uma escorchante responsabilidade fiscal? Escorchante, muitas vezes, por culpa dos próprios municípios, por falta de planejamento ou por causa de algum “ralo” muito aberto. Mas também por falta de outra coisa, a julgar pela composição dos corpos legislativos e executivos de municípios e Estados... Não se deveria emendar a Constituição nesse ponto? O Ministério de Educação e Cultura deveria exercer mais controle sobre a organização e qualidade da educação em nível regional e local. Mas, está devidamente estruturado para isso? E qual é seu conceito de educação? E será que tem força para modificar a mentalidade de faz-de-conta que reina no campo da educação (como em outros)?

Talvez a causa mais profunda do mal-estar da educação se situe num nível em que fatores estruturais estão entrelaçados com fatores culturais, como o conceito da educação e, até, do ser humano em geral. Do lado direito, há muitos que julgam que a educação é um instrumento de sucesso para os que têm mais chances. Os outros, crianças e jovens da margem da sociedade, que se danem... Além disso, existe um conceito utilitarista e superficial da educação: produzir uma pessoa bem-sucedida, de boa apresentação, com um verniz de erudição; ou, pelo menos, uma pessoa bem-comportadinha, que não seja ríspida, não entre em choque com ninguém e que não diga “não”, mas “sim, senhor”... Do lado esquerdo, espreito o perigo de um igualitarismo e estruturalismo que esquece a personalidade. E, de todos os lados, pouco caso se faz da educação para a vida no cotidiano, desde os cuidados higiênicos até a boa expressão linguística, desde o conhecimento do bairro em que se vive até os problemas políticos regionais e nacionais, desde a educação para o trânsito até a ética das relações humanas. Para não falar do amor à verdade, à honestidade, à justiça... Tem-se a impressão de que a educação é encarada como um programa aplicado à pessoa, um “app”, e não como qualidade pessoal, transmitida ao educando graças a assíduo esforço, e por ele assimilada num processo cuidadosamente acompanhado, desde a infância até a idade adulta.

Observa-se também uma mentalidade muito materialista e imediatista. Imediatista, porque não se pergunta que personalidade se revelará a longo prazo; e materialista, porque não abre a pessoa para o mistério da transcendência, que não é senão o mistério da própria vida e de tudo o que existe. Um filósofo grego disse que o homem (a pessoa) é a medida de todas coisas. Hoje se diz que seus desejos e impulsos momentâneos (o sonho do consumo) são a medida de todas as coisas... e logo se fabrica algo que se possa vender para corresponder a essa “medida”!

Não se pense que leis e programas governamentais, por si só, vão mudar essa situação. É o espírito da sociedade que deve mudar (não só no Brasil). É preciso proporcionar alma ao povo, que não pode viver só de pão e de jogos. Precisamos de pessoas que deem sua alma, que deem sua vida por esta causa (segundo a Bíblia, alma e vida são a mesma coisa). Não necessariamente num martírio sangrento de uma hora (isso também, se for o caso), mas no sacrifício voluntário de anos e anos de dedicação paciente, anônima, contrária ao sucesso e o brilho. Esta é a verdadeira mística, sem alienação. A tais pessoas dedico esta reflexão.

Johan Konings nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colegio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Foi professor de exegese bíblica na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (1972-82) e na do Rio de Janeiro (1984). Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, onde recebeu o título de Professor Emérito em 2011. Participou da fundação da Escola Superior Dom Helder Câmara. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário