Valéria de Cássia Pisauro Lima - valiteratura.blogspot.com/
ANÁLISE DO "SERMÃO DA SEXAGÉSIMA" OU "A PALAVRA DE DEUS", PADRE VIEIRA
Sermão mais famoso de Vieira, proferido na Capela Real a um público composto por católicos da nobreza portuguesa, no ano de 1655, em Lisboa. Esse sermão, exemplo clássico do pensamento conceptista de Vieira, é uma espécie de profissão de fé do autor sobre sua prática oratória. Através de uma organização de raciocínio, propõe-se a discutir “por que não frutifica a palavra de Deus na terra”.
Sexagésima significa, em termos de liturgia, a segunda dominga do período litúrgico que antecede a Quaresma, ou seja, o domingo que vem quinze dias antes do primeiro domingo da Quaresma e que é, aproximadamente, o sexagésimo dia antes da Páscoa. Quaresma refere-se ao espaço de quarenta dias de jejum, que vão de Quarta-Feira de Cinzas inclusive, até ao domingo de Páscoa, inclusive. E a Páscoa é, para os judeus, a principal festa religiosa e, para os cristãos, a festa da Ressurreição de Jesus Cristo.
Nele predomina a função metalinguística de linguagem: um sermão que estabelece os princípios da arte de pregar, incitando os jesuítas a saírem às colônias e pregarem a palavra de Deus, ampliando a fé católica no mundo.
O sermão é um todo de 10 pequenos capítulos:
1. O autor procura se aproximar do auditório dirigindo-lhe perguntas que ele mesmo, o autor, responde;
2. O autor procurará a adesão do auditório à sua tese principal de que se não havia conversões em massa ao catolicismo na sua época era por culpa dos pregadores de então. Na época, com a Restauração portuguesa, os jesuítas não queriam mais pregar fora da metrópole; ali, na Corte e em contato com os nobres, podiam exercer as funções de conselheiros e serem bem remunerados. Deixaram, portanto, de pregar nos lugares distantes, onde a luz do Evangelho de Cristo deveria ser levada pelos membros da Companhia de Jesus;
3. A tese de adesão inicial de Vieira se baseia na parábola evangélica do semeador que saiu a semear;
4. A técnica argumentativa empregada pelo orador é da argumentação pragmática, procurando estabelecer conexões de causa e efeito.
I – INTRÓITO:
Partindo de uma passagem do “Evangelho segundo São Lucas”, a “parábola do semeador”, Vieira apresenta o seu assunto: “Semem est verbum Dei” (“a semente é a palavra de Deus”) e “Verbum est semen Dei” (“a palavra de Deus é semente no coração do homem”). Comentando essa passagem, o pregador transforma-a na principal questão de seu sermão, isto é, se a palavra de Deus é tão eficaz, por que se vê pouco fruto dela no mundo?
“Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre si e se resolva, não há um moço que se arrependa, não há um velho que se desengane. Que é isto? Assim como Deus não é hoje menos onipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa, do que dantes era. Pois se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, por que não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus? Esta tão grande e tão importante dúvida será a matéria do sermão. Quero começar pregando-me a mim. A mim será, e também a vós; a mim para aprender a pregar; a voz, para que aprendais a ouvir.”
(...)
“Vós, diz Cristo Senhor Nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, por que quer que façam na terra, o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta quanto está a nossa, havendo tantos nela que tem ofício de sal , qual será ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar, e os Ouvintes, sendo verdadeira a doutrina, que lhes dão, e não querem receber; ou é porque o sal não salga, e os Pregadores dizem uma cousa e fazem outra, ou porque a terra se não deixa salgar, e os Ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem: ou é porque o sal não salga, e os Pregadores se pregam a si, e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os Ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal.”
II – ARGUMENTAÇÃO:
Viera, tentando responder à sua questão, vai minuciosamente examinando os aspectos que poderiam explicar a ineficiência da palavra de Deus.
Apresenta três supostos culpados: DEUS, o OUVINTE ou o PREGADOR.
“Fazer pouco fruto a palavra de Deus no mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus.
Para uma alma se converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos: há-de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há-de concorrer Deus com a graça, alumiando.
Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, é necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?”
Em seguida, Vieira passa a examinar primeiramente a DEUS.
"Primeiramente, por parte de Deus, não falta nem pode faltar. Esta proposição é de fé, definida no Concílio Tridentino, e no nosso Evangelho a temos. Do trigo que deitou á terra o semeador, uma parte se logrou e três se perderam. E porque se perderam estas três?
- A primeira perdeu-se, porque a afogaram os espinhos; a segunda, porque a secaram as pedras; a terceira, porque a pisaram os homens e a comeram as aves. Isto é o que diz Cristo; mas notai o que não diz. Não diz que parte alguma daquele trigo se perdesse por causa do sol ou da chuva. A causa por que ordinariamente se perdem as sementeiras, é pela desigualdade e pela intemperança dos tempos, ou porque falta ou sobeja á chuva, ou porque falta ou sobeja o sol. Pois porque não introduz Cristo na parábola do Evangelho algum trigo que se perdesse por causa do sol ou da chuva?
- Porque o sol e a chuva são as influências da parte do Céu, e deixar de frutificar a semente da palavra de Deus, nunca é por falta do Céu, sempre é por culpa nossa. Deixará de frutificar a sementeira, ou pelo embaraço dos espinhos, ou pela dureza das pedras, ou pelos descaminhos dos caminhos; mas por falta das influências do Céu, isso nunca é nem pode ser. Sempre Deus está pronto da sua parte, com o sol para aquentar e com a chuva para regar; com o sol para alumiar e com a chuva para amolecer, se os nossos corações quiserem: Qui solem suum oriri facit super bonos et malos, et pluit super justos et injustos (“Que fez nascer seu sol sobre os bons e os maus e chover sobre os justos e os injustos”). Se Deus dá o seu sol e a sua chuva aos bons e aos maus; aos maus que se quiserem fazer bons, como a negará? Este ponto é tão claro que não há para que nos determos em mais prova. Quid debui facere vineae meae, et non feci? (“Que devia eu ter feito à minha vida e não fiz?”) - disse o mesmo Deus por Isaías.”
Dessa forma, excluindo a culpa de Deus, Vieira examina então a possibilidade de o culpado ser o OUVINTE.
“Sendo, pois, certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte de Deus, segue-se que ou é por falta do pregador ou por falta dos ouvintes. Por qual será? Os pregadores deitam a culpa aos ouvintes, mas não é assim. Se fora por parte dos ouvintes, não fizera a palavra de Deus muito grande fruto, mas não fazer nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes. Provo.
Os ouvintes ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. No Evangelho o temos. O trigo que caiu nos espinhos nasceu, mas afogaram-no: Simul exortae spinae suffocaverunt illud. O trigo que caiu nas pedras nasceu também, mas secou-se: Et natum aruit. O trigo que caiu na terra boa nasceu e frutificou com grande multiplicação: Et natum fecit fructum centuplum.
De maneira que o trigo que caiu na boa terra, nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra, não frutificou, mas nasceu; porque a palavra de Deus é tão funda, que nos bons faz muito fruto e é tão eficaz que nos maus ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos; lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que há na Igreja de Deus, são as pedras e os espinhos. E por quê?
- Os espinhos por agudos, as pedras por duras. Ouvintes de entendimentos agudos e ouvintes de vontades endurecidas são os piores que há. Os ouvintes de entendimentos agudos são maus ouvintes, porque vêm só a ouvir sutilezas, a esperar galantarias, a avaliar pensamentos, e às vezes também a picar a quem os não pica. Aliud cecidit inter spinas: O trigo não picou os espinhos, antes os espinhos o picaram a ele; e o mesmo sucede cá. Cuidais que o sermão vos picou e vós, e não é assim; vós sois os que picais o sermão. Por isto são maus ouvintes os de entendimentos agudos. Mas os de vontades endurecidas ainda são piores, porque um entendimento agudo pode ferir pelos mesmos fios, e vencer-se uma agudeza com outra maior; mas contra vontades endurecidas nenhuma coisa aproveita a agudeza, antes dana mais, porque quanto às setas são mais agudas, tanto mais facilmente se despontam na pedra.
Oh! Deus nos livre de vontades endurecidas, que ainda são piores que as pedras! A vara de Moisés abrandou as pedras, e não pôde abrandar uma vontade endurecida: Percutiens virga bis silicem, et egressae sunt aquae largissimae. Induratum est cor Pharaonis. E com os ouvintes de entendimentos agudos e os ouvintes de vontades endurecidas serem os mais rebeldes, é tanta a força da divina palavra, que, apesar da agudeza, nasce nos espinhos, e apesar da dureza nasce nas pedras. Pudéramos arguir ao lavrador do Evangelho de não cortar os espinhos e de não arrancar as pedras antes de semear, mas de indústria deixou no campo as pedras e os espinhos, para que se visse a força do que semeava. É tanta a força da divina palavra, que, sem cortar nem despontar espinhos, nasce entre espinhos. É tanta a força da divina palavra, que, sem arrancar nem abrandar pedras, nasce nas pedras. Corações embaraçados como espinhos corações secos e duros como pedras, ouvi a palavra de Deus e tende confiança! Tomai exemplo nessas mesmas pedras e nesses espinhos! Esses espinhos e essas pedras agora resistem ao semeador do Céu; mas virá tempo em que essas mesmas pedras o aclamem e esses mesmos espinhos o coroem. Quando o semeador do Céu deixou o campo, saindo deste Mundo, as pedras se quebraram para lhe fazerem aclamações, e os espinhos se teceram para lhe fazerem coroa.
E, se a palavra de Deus até dos espinhos e das pedras triunfa; se a palavra de Deus até nas pedras, até nos espinhos nasce; não triunfar dos alvedrios hoje a palavra de Deus, nem nascer nos corações, não é por culpa, nem por indisposição dos ouvintes.”
Excluindo também o ouvinte, Vieira conclui que a culpa da ineficiência da palavra de Deus está no PREGADOR.
“Supostas estas duas demonstrações; suposto que o fruto e efeitos da palavra de Deus, não fica, nem por parte de Deus, nem por parte dos ouvintes, segue-se por consequência clara, que fica por parte do pregador. E assim é.
Sabeis, cristãos, porque não faz fruto a palavra de Deus? Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, porque não faz fruto a palavra de Deus? - Por culpa nossa.”
Vieira partindo do pressuposto que a culpa é do pregador, continua a sua argumentação, apresentando a temática central do texto: o papel do pregador na evangelização do mundo, buscando desvendar as causas desse insucesso.
Esse elemento é de extrema importância no sermão, pois o grande objetivo deste texto é justamente conseguir a modificação do comportamento do pregador e do ouvinte/leitor.
“Mas como em um pregador há tantas qualidades, e em uma pregação tantas leis, e os pregadores podem ser culpados em todas, em qual consistirá esta culpa?
- No pregador podem considerar cinco circunstâncias: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo e a voz. A pessoa que é, a ciência que tem, a matéria que trata, o estilo que segue, a voz com que fala. Todas estas circunstâncias temos no Evangelho. Vamo-las examinando uma por uma, e buscando esta causa.”
Vieira então expõe as qualidades que o pregador exerce em sua função:
- a pessoa que ele representa para seu público;
- o conhecimento que tem do mundo e das leis divinas;
- os sermões em si, em toda sua confecção, desde a escolha do assunto até a sua estruturação;
- o estilo utilizado;
- e a maneira como se expressa oralmente no momento em que professa o sermão.
Cada um destes elementos é examinado cuidadosamente pelo autor, assinalando sua importância e descartando aquele que não é, efetivamente, o culpado pelo fracasso da evangelização.
Primeiramente, analisa o comportamento pessoal do pregador, que deveria fazer da sua vida um exemplo para os fiéis. Mas, com base num exemplo bíblico: Jonas, cuja vida desregrada não poderia servir de exemplo a nenhuma audiência e com um único sermão conseguiu evangelizar todo um reino gentio, conclui que não é esse o fatal impedimento para a evangelização dos ouvintes.
Depois, Vieira descarta a possibilidade da falta de domínio da matéria, isto é, da falta de conhecimento de como deve ser produzido um sermão. Apesar de demarcar como deve ser um sermão e que são muitos os sermões que não seguem os procedimentos por ele apontados.
Neste momento, a metalinguagem alcança um elemento máximo na obra, pois o autor dedica-se a uma descrição minuciosa de como deve ser confeccionado o texto por seu autor. Também não é a falta de conhecimento empírico (vivenciado pessoalmente pelo pregador) a causa fatal para o problema levantado, embora a importância deste conhecimento seja ressaltada, Vieira afirma que São João Batista pregava aquilo que havia sido vivido pelo profeta Isaías, sem ter, ele mesmo, vivenciado aquelas experiências e que o mesmo ocorreu com outros grandes santos e pregadores.
Por fim, a forma de expressão oral também não é considerada a causa maior da pouca frutificação do trabalho de evangelização da época. Vieira assinala que biblicamente havia dois estilos de expressão: um exaltado, pautado no brado, no grito, e outro contido, moderado, sendo ambos igualmente eficientes.
“Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades, há de impugnar e refutar com todo a força da eloquência os argumentos contrários, e depois de dito há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar, e o que não é isto, é falar de mais alto.”
Analisando, o estilo, Vieira condena o CULTISMO e, sobretudo, o uso de antíteses nos sermões, pois esse estilo dificulta o entendimento por parte do ouvinte.
“Não fez Deus o Céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, da outra há de estar negro; se de uma parte está dia, da outra há de estar noite; se de uma parte dizem luz, da outra há de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão dizer subiu. Baste que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário? (...) Este desventurado estilo que hoje se usa, os que o querem honrar chamam-lhe culto, os que o condenam chamam-lhe escuro, mas ainda lhe fazem muita honra. (...) É possível que somos portugueses, e não havemos de entender o que diz?”
Descartados os elementos levantados nas hipóteses (a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo, a voz), Vieira assinala agora a tese verdadeira:
“As palavras que tomei por tema o dizem: Semen est Verbum Dei. Sabeis, cristãos, a causa por que se faz, hoje, tão pouco fruto com tantas pregações?
- É porque as palavras dos pregadores são palavras, mas não são as palavras de Deus. Falo do que ordinariamente se ouve. A palavra de Deus (como dizia) é tão poderosa e tão eficaz, que não só na boa terra faz fruto, mas até nas pedras e nos espinhos nasce. (...) Mar, dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? – Esse é o mal. Pregam palavras de Deus. (...) As palavras de Deus pregadas no sentido em que Deus as disse, são palavras de Deus; mas pregada no sentido que nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem ser palavras do Demônio.”
A sutil diferença entre os elementos palavras de Deus × a palavra de Deus é desenvolvida e a tese agora toda composta (A evangelização tem pouco fruto porque os pregadores não semeiam a palavra de Deus) é finalmente explicada: os evangelizadores têm usado a palavra de Deus de acordo com as conveniências humanas, e não no “sentido em que Deus as disse“. Sendo assim e retomando-se a máxima de Lucas (A semente é a palavra de Deus) é impossível que se frutifique a fé cristã porque não é ela que está sendo lançada ao mundo.
III – PERORAÇÃO:
Assumida plenamente a tese, Vieira inicia a peroração (conclusão) do texto. Ele critica ferozmente os pregadores que assim procedem, acusando-os de transformarem a Igreja num teatro e o sermão numa comédia e de buscarem a fama e o prestígio do mundo. Em sua condenação, chega a comparar os evangelizadores a médicos: se os médicos não se preocupam se o paciente gosta ou não do remédio, conquanto esse remédio cure-lhe os males do corpo e o salve da doença, também assim deve agir o pregador, que é um médico de almas. Ele não deve se preocupar com as convenções políticas e sociais, mas sim com o seguir fielmente a doutrina tal qual ela é. Vieira arremata este raciocínio mencionando uma situação ocorrida em Portugal, quando da discussão a respeito de quem, entre dois grandes pregadores da época, seria o melhor. Sem reproduzir os nomes (provavelmente sabidos pela platéia) Vieira afirma que a questão, cujos votos estavam empatados, fora definida pela seguinte declaração de um dos debatedores de maior autoridade:
“Entre dois sujeitos tão grandes não me atrevo a interpor juízo; só direi uma diferença, que sempre experimento: quando ouço um, saio do sermão muito contente do pregador; quando ouço outro, saio muito descontente de mim.“
Como declaração final, Vieira recomenda:
“Estamos às portas da Quaresma, que é o tempo em que principalmente se semeia a palavra de Deus na Igreja, e em que ela se arma contra os vícios. Preguemos e armemo-nos todos contra os pecados, contra as soberbas, contra os ódios, contra as ambições, contra as invejas, contra as cobiças, contra as sensualidades. Veja o Céu que ainda tem na terra quem se põe da sua parte. Saiba o Inferno que ainda há na terra quem lhe faça guerra com a palavra de Deus, e saiba a mesma terra que ainda está em estado de reverdecer e dar muito fruto: Et fecit fructum centuplum (“E fez um fruto um cêntuplo.)”
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