quarta-feira, 12 de março de 2014

Discreto preconceito

Quando penso em preconceito, não penso em nazistas. Penso no desdém de nossa melhor amiga.

Por Alexandre Kawakami*

Eu nunca me achei uma pessoa bonita. Reconheço que tenho problemas de autoestima. Quando adolescente, lutando com problemas de peso, nunca fui popular com as garotas e, para espanto dos que me conhecem, vivia sob o peso de uma timidez desconfortante. 

Pois é. Talvez fosse minha imaginação, o que os americanos chamam de “pensamento desejoso”, mas uma vez, naquela época e de forma sutil, minha aproximação a uma de minhas colegas de classe parecia surtir algum resultado.

Começou com alguma conversa sem maior conseqüência em que nós dois rimos inconsequentemente. Depois, passávamos a entrar mais cedo em sala para nos sentarmos em cadeiras próximas, para conversar. Havia uma mistura de surpresa e nostalgia quando nos víamos. E assim foi seguindo o meu incipiente romance, até o dia de uma festa de 15 anos de uma de nossas colegas. Perguntei se ela iria. Ela disse que sim. Combinamos de nos ver na festa. Borboletas voavam nas barrigas de nossas conversas.

Em garbo caprichado, parti rumo ao encontro, imaginação de menino novo construindo mundos, universos. Cheguei mais cedo, para desagrado da anfitriã, que me recebeu ainda com um sorriso confortante. O garçom oferece refrigerante, pergunto se tem algo mais forte. Logo ela chega, a surpresa e a nostalgia se unindo a uma expectativa intensa.

Começamos logo a conversar, as mesmas piadas inconseqüentes, os mesmos temas superficiais, juvenis e fascinantes. Olhos nos olhos dela e nos enrubescemos. Pego em sua mão, respiro fundo e, prestes a iniciar minha confissão...

Eu já contei que ela tinha uma melhor amiga? Sim, ela tinha uma melhor amiga, de olhos desdenhosos e postura grandiosa de bailarina no palco. Pois é, naquele instante, a melhor amiga entra e pede pra ela ir buscar qualquer coisa. Olho para a melhor amiga com facas e arames embutidos, imaginando como alguém poderia ser tão inconveniente e não perceber.

Mas antes que eu pudesse iniciar meu protesto, a melhor amiga olha com aqueles olhos desdenhosos para mim e declara de forma peremptória: “Deixa eu te falar uma coisa: você gosta da minha amiga, né? Você parece ser uma pessoa legal e eu não quero que você se machuque. Então vou te fazer um favor, ok? Se eu fosse você, eu não mantinha esse tipo de esperança, não. Você nunca vai ter chance com ela. Sabe por quê?” “Não, não sei. Está certo, eu não sou o cara mais bonito do mundo, mas o importante não é isso...” “Não, seu bobo... Ser bonito ou não é gosto de cada um. Você nunca vai ter chance com ela porque você é japonês. Aliás, acho que nenhum menina da escola ficaria com um japonês. É meio... meio estranho, sabe? Nojento.”

Olhei para o rosto dela esperando encontrar algum traço de ódio, de desgosto que justificasse o que ela me dizia. Encontrei um olhar solícito de alguém que acreditava piamente estar me fazendo um favor. Fui embora mais cedo, levando aquele olhar comigo, aquelas palavras se agitando, me ferindo.

Alguns anos se passaram até que a afeição espontânea de outras meninas mostrasse que o que ela havia me dito era opinião só dela. Mas ainda hoje, quando penso em preconceito, não penso na face retorcida de nazistas vestidos em lençóis brancos e queimando cruzes. Não. Eu penso é nos olhos desdenhosos de nossa melhor amiga, olhando de forma solícita para mim, achando que me faz um favor.
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário