quinta-feira, 15 de maio de 2014

Para ver os filhos do padre

Gilmar P. da Silva SJ*
De onde nasce o cooperativismo? E a homofobia? Teriam relação com a misoginia ou xenofobia? Há uma aposta que observa nelas uma origem comum. Para tanto, faz-se necessária uma viagem no tempo até nossos ancestrais primitivos e depois voltar a uma ilha da Croácia de hoje. Croácia?! Vamos com calma...
Imagine o modo de organização tribal das sociedades primitivas. Nelas, a sobrevivência do indivíduo está estritamente ligada à sobrevivência do grupo. E isso, de tal modo, que o indivíduo transcende-se no grupo e nele encontra seu sentido existencial. É-se um com o grupo e a realização pessoal está na realização coletiva. Donde que, o indivíduo se estende em seu clã e na sua posteridade. Urge, ainda, unir-se para ir a caça e resistir ao ataque de tribos inimigas. Os que não pertencem ao clã podem constituir uma ameaça.
Por sua força física, o homem se dedicou à caça e à guerra. É de sua responsabilidade a sobrevivência do grupo, o que foi gerando na cultura uma série de taxações do que seja masculino; valores venatórios e bélicos. Não só o homem foi sendo hipervalorizado, pela garantia da sobrevivência do clã, mas também todos os valores, ditos, masculinos. É claro que uma associação de “isso é de homem” ou “isso é de mulher” é arbitrária e encontra sua gênese no desenvolvimento de determinadas culturas. Outras sociedades que se desenvolveram a partir da figura do feminino, valorizando o aspecto materno, terão, inclusive, uma deusa ou Grande Mãe. Um desenvolvimento cultural não constitui uma essência. Detectar desde onde se erige o tabu, permite aceita-lo ou refuta-lo.
Tem-se aqui que os desenvolvimentos morais posteriores teriam sua legitimação em construtos culturais e, com frequência, justificativa religiosa. Se, por exemplo, as relações homoafetivas não geram descendência, elas não seriam “abençoadas”, uma vez que poriam a continuidade do clã em risco. Ao falar de Deus, o ser humano se utiliza de linguagem humana e reproduz nas realidades divinas sua estrutura. O Deus que veste uma túnica na Renascença, veste-se como Papa no período barroco. Onde se quer chegar com isso? Que o cooperativismo surge da necessidade de proteção grupal; a misoginia da hipervalorização, do que foi estabelecido como masculino; a xenofobia do medo daquele que não pertence ao clã; a homofobia, do medo de não perpetuar. Se admitimos o inconsciente coletivo ou mesmo a assimilação de enunciados transmitidos e evolucionados ao longo de gerações, compreende-se a reação, tão estranha, da França ante a união homoafetiva; a resistência dos países do Norte ante a migração de elementos do Sul; a desvalorização da mulher em diversas culturas; o cooperativismo de alguns grupos que agem de modo antiético para sobreviverem.
O filme de Vinko Brešan, “Os filhos do padre”, acerta em cheio alguns desses temas. A história é a de uma ilha da Croácia que vê sua taxa de natalidade decrescer. Diante de seu drama de consciência, um vendedor de preservativos e um dos vigários locais elaboram um plano que consiste em furar as camisinhas e deixar a decisão dos nascimentos para Deus. Recebem, ainda, a colaboração de um antigo combatente que teme a invasão árabe com a diminuição da população da ilha. Há também uma crítica ácida ao cooperativismo de algum clero e a inocência daqueles que agem por fé irrefletida. A comédia, inteligente e ácida, termina com um “soco no estômago”. Um importante contributo ao debate de temas tão candentes.

*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana. 

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