Gilmar P. da Silva SJ*
O ciberespaço é um lugar por onde estendemos nossa existência. Nossos corpos físicos redobram-se no corpo digital, tornado nossas presenças múltiplas, em um lugar adimensional e atemporal. Lugar onde é possível multiplicar-se e onde o passado pode retornar, tal e qual, infinitas vezes. Lugar que também é meio, onde é possível se fazer presente a outros tantos que nos olham por uma janela; seja a tela de um computador, tablet ou celular.
Esse novo lugar, que interage com o lugar físico em que habitamos, modificou nossa maneira de compreender, significar, relacionar, interagir, recriar a realidade. Surgiu a cibercultura. Suas janelas abreviaram distâncias e encurtaram tempos. A cibercultura tem como traço marcante a lógica da aceleração. Não há tempo a se esperar. Tudo deve acontecer no aqui e agora do tempo digital. Os amores não maturam com a ausência, o outro está sempre ao alcance. A informação não pode ser apurada, deve ser transmitida enquanto acontece. Não só isso. A encomenda do governo americano de um meio de comunicação robusto e sem perda de dados, que evoluiu para o protocolo TCP/IP e hoje se tornou civil (civilizada?) esconde consigo as características da máquina de guerra para a qual foi criada. Seria demasiado questionar as relações que se constroem a partir desse lugar?
Na aceleração desse espaço, o corpo permanece inerte diante da tela. Todos estão sozinhos diante da tela. Sentados, sedados. O redobramento que torna presente é o mesmo que oculta. Faz presente uma ausência. A suposta democracia da rede, ao passo que permite a pluralidade de vozes, pulveriza os discursos. As mudanças vão se operando de modo cada vez mais acelerado. Tem poder quem tem agilidade, quem consegue se antecipar aos processos e se adaptar primeiro. No afã de acompanhar as mudanças, não resta tempo para o aprofundamento. As ligações são tão mais superficiais quanto mais ágeis. Enquanto se gasta tempo em uma postagem, outras tantas vão se achegando e soterrando a primeira. Vozes pulverizadas que ecoam em likes e compartilhamentos efêmeros de ligações superficiais e frágeis, obedientes à nova lógica.
Fomos da desqualificação do artesão à disciplina das fábricas e desta para o poder da velocidade da máquina. Levanta-se nova era. Entramos em uma nova ordem social, o regime da Dromocracia, onde os lentos são excluídos. A coleta devida dos dados e sua correta interpretação permite entender o momento presente e prever de modo mais seguro as mudanças possíveis, antecipando-se a elas. Não só os lentos são excluídos, mas também aqueles que não se adaptam semioticamente; aqueles que não conseguem ler imagens.
A Quasar Cia. de Dança, no espetáculo No Singular, percebe os sinais dos tempos e se insurge contra a imobilidade dos corpos. É significativo um espetáculo de dança tratar das relações mediáticas. No Singular retrata o fetiche da imagem com seus ocultamentos e exposições, bricolagem de textos que se entrecortam em links e hiperlinks e que formam um todo complexo e imprevisível de mutações aceleradas. Espaço de entrelaçamento de afetos e subjetividades humanomaquínicas. Singularidade e conectividade são o substrato geral da peça dirigida por Henrique Rodovalho, que estará pela primeira vez em Belo Horizonte, no SESC Palladium, nos dias 31 de Maio e 01 de Junho. E a interação começa com o convite do grupo para que o público, somando-se aos bailarinos, suba ao palco e participe de uma das coreografias, já disponível na página da Cia. no Facebook e no YouTube. Apropriação da ferramenta para sua subversão.
Vale a pena não só a peça, mas o aprofundamento do tema com a leitura de dois livros. O primeiro é de Eugênio Trivinho, publicado pela editora Paulus, e se chama Dromocracia Cibercultural. O segundo é O Pensamento Sentado, de Norval Baitello Junior, publicado pela editora Unisinos. Leituras urgentes para quem ainda está no deslumbramento das novas tecnologias da informação e comunicação.
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