Gilmar P. da Silva SJ*
Há dois tipos de repetição. Uma é aquela que nos deixa no plano porque se baseia em mais do mesmo. A outra consiste na volta sobre o já experimentado, aprofundando seu sentido. Baseia-se em uma relação nova com o mesmo. Há uma diferença qualitativa. Se a primeira tende ao tédio, à morbidez, a segunda permite a ampliação dos campos de possibilidade na relação com algo determinado, que se torna sempre novo.
Um amante pode experimentar inúmeros amores e continuar vazio. A aparente mudança não é outra coisa que a repetição negativa. Muda-se a pessoa amada, mas a ação continua a mesma. Depois que se obtém o objeto do desejo, corre-se o risco de se perder o encantamento com este e de se iniciar a busca por um outro que proporcione o prazer da novidade. Há quem busque o mesmo em coisas novas; acaba por não ter nem um nem outro. Diferente é aquele que é capaz de amar o mesmo. Quando alguém se relaciona de modo inteiro com o amado, ele próprio se muda e já não é mais o mesmo. Ao retornar àquele a quem ama, ainda que este não mude, a relação é outra porque o amante se mudou, renovou-se.
Na repetição positiva, o que muda é o modo de ver. As sucessivas experiências do mesmo possibilitam que o olhar estabeleça conexões entre os elementos que compõe o experimentado e se possa descobrir, nessas conexões, um sentido. É o rito do beijo de boa noite que dá o sentido de segurança na infância; a mensagem diária no celular que dá o sentido de ser lembrado e ser importante para alguém; o contemplar constante do pôr-do-sol que dá o sentido poético para o transcorrer do tempo. A repetição é o que dá a sacralidade ao rito. O objeto do retorno é poço do qual sempre se bebe porque suas águas se renovam, constante mistério e novidade.
A necessidade do mercado em promover o consumo tem gerado uma obsessão em relação ao novo e uma percepção exagerada de obsolescência. A lógica do descartável e do ultrapassado não quer que nos demoremos no mesmo. Mas o antigo dá sentido ao novo. A experiência passada dá sentido a presente ao passo que a presente ilumina a passada. Nada melhor quando se juntam velho e novo e se assiste à sua explosão de significação.
Na turnê “Linha de frente”, Milton Nascimento e Criolo celebram esse encontro. Clássicos do Bitucacomo Travessia e Morro Velho se somam a canções como Mariô e Bogotá do cantor paulistano. Milton é uma voz que se pode repetir sempre. Criolo é o novo que, aberto às distintas influências, traz outras texturas ao rap. Eles estarão em Belo Horizonte, no Palácio das Artes, nos dias 13 e 14 de Junho, lançando esse projeto que dá roupagem nova às músicas de ambos. A reinvenção dos repertórios é coroada com a música inédita Dez Anjos. O projeto prossegue nos dias 22 de Agosto, em São Paulo, e 19 de Setembro, no Rio de Janeiro. Repetições e experimentações irão se conjugar no palco possibilitando ao expectador sair do lugar comum. Experiência estética da tensão entre velho e novo.
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