sexta-feira, 6 de junho de 2014

Sistema está em crise e precisa de alterações


A necessidade de revisão e mudanças no sistema de licenciamento ambiental brasileiro foi consenso entre os participantes do seminário ‘Propostas para Alterações no Licenciamento Ambiental: da Retórica à Prática’, que teve início na manhã desta sexta-feira (6), na Escola Superior Dom Helder Câmara. Fruto de parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e a Associação Brasileira de Impacto (ABAI), o evento reúne representantes do poder público, iniciativa privada, sociedade civil e organizações não governamentais.

“O fato é o que licenciamento ambiental está em crise. Todos têm a mesma opinião. É preciso amadurecer o debate, definir o que precisa mudar. O objetivo deste seminário (e de outros dois realizados anteriormente, em São Paulo), é discutir as propostas que estão hoje ‘na mesa’, que podem alterar todo o sistema”, explica o professor Alberto Fonseca. Ele coordena grupo de pesquisa sobre o tema na UFOP e compartilha a organização do evento com o professor José Cláudio Junqueira, da Dom Helder Câmara.

“Temos um grupo semelhante na Escola, que reúne professores e alunos do mestrado. Consideramos que o principal problema do licenciamento ambiental no país é que ele está sendo aplicado a todas as atividades, mas não foi desenhado para isso”, avalia José Cláudio.

De acordo com o professor, o instrumento foi elaborado nos Estados Unidos, no final da década de 1960, para grandes empreendimentos, principalmente industriais. “A partir do momento em que se começa a aplicá-lo para tudo, o licenciamento ambiental se torna bastante complexo e burocratizado. Temos que rever a quais tipos de empreendimentos ele se destina, para que seja utilizado corretamente”, completa José Cláudio.

Revisão que deve ser feita com cuidado e cautela, aponta o professor Alberto Fonseca. Segundo ele, a alteração do sistema de licenciamento ambiental tem porte igual ou maior do que a mudança realizada no Código Florestal Brasileiro, concluída em outubro de 2012. “Afetará diretamente o desenvolvimento do país, o Produto Interno Bruto (PIB), é algo delicado”, afirma.

Alternativas

Entre as propostas de alteração analisadas pelos pesquisadores da Dom Helder Câmara, está a adoção de sistema bifásico, já utilizado em grande parte do mundo, em substituição ao atual sistema trifásico vigente no país, que requer Licença Prévia (L P), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO). “Além da utilização generalizada, a complexidade desse sistema contribui para o nível de insatisfação geral”, avalia José Cláudio.

Os pesquisadores discutem também a possibilidade de estudos simplificados e de licenciamento ambiental sem a Avaliação de Impactos Ambientais (ou AIA). O professor José Cláudio cita ainda iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que contratou consultoria para análise e proposta de otimização do instrumento.

No setor privado, a Confederação Nacional da Indústria apresentou recentemente a ‘Proposta da Indústria para o Aprimoramento do Licenciamento Ambiental’, que pode ser consultada no portal da ABAI. A página traz também documento elaborado pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (ABEMA), com a contribuição de diversas entidades associadas.

“Temos ainda projeto de lei na Câmara dos Deputados, propostas de alterações de resoluções e portarias (...). O sistema de licenciamento passa pelas camadas federal, estadual e municipal, é bastante complexo”, completa o professor Alberto Fonseca.

Debate

Apontada como o principal entrave do licenciamento ambiental, a utilização generalizada foi também um dos pontos mais discutidos durante a primeira etapa do seminário, na manhã desta sexta-feira (6). “Devemos mesmo utilizar o instrumento ‘para tudo’?”, questiona José Cláudio Junqueira.

Para a engenheira Zuleika Torquetti, presidente Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), o licenciamento ambiental, de fato, não deve ser aplicado a qualquer tipo de empreendimento. Ela ressalta, no entanto, a importância de se compreender o processo histórico de implantação do instrumento.

“O modelo de licenciamento foi criado em uma época diferente da atual, com a visão que o Estado deveria ser tutor dos empreendimentos. Quase ninguém entendia o que era fazer uma avaliação de impacto. Então, no final da década de 1980, ‘tudo’ era solicitado no momento do licenciamento ambiental. E esse excesso de informações chegava completamente desestruturado aos órgãos ambientais”, relata Zuleika.

A realidade, de acordo com a presidente, só veio a mudar com a criação dos Termos de Referência (RCA e PCA), que minimizou a quantidade de relatórios ‘extensos, prolixos e repetitivos’. A simplificação, no entanto, teve seu aspecto negativo: textos demasiadamente curtos e sintéticos, que não traziam informações necessárias aos analistas responsáveis pela solicitação de licença. “Na verdade, praticamos a mesma forma de formalizar um processo de licenciamento. O que mudou foi o excesso de solicitações, em função de uma insegurança. O analista ambiental solicita ‘muito’, para depois não ser cobrado pela sociedade. Isso que na verdade está causando o grande colapso”, opina Zuleika.

Já Roberto Messias Franco, secretário de Meio Ambiente de Nova Lima, não considera ‘um absurdo’ a solicitação de licenciamento ambiental para todos os empreendimentos. “Esse modelo [apresentado por Zuleika Torquetti] foi bom, nos colocou para pensar. De fato, é absurdo pedir Estudo de Impacto e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) para a instalação de uma padaria, mas algum registro deve ser feito”, defende.

A engenheira Patricia Boson, consultora da FIEMG, também acredita que o sistema de licenciamento foi fundamental para os avanços nas políticas ambientais. “Antes, o assunto não era discutido. Foi muito importante”, afirma. Ao mesmo tempo, ela apresenta duras críticas ao modelo, principalmente no que diz respeito à atuação cartorial e a baixa estrutura tecnológica. “O licenciamento sempre será cartorial, se for trabalhado de forma isolada. Deve ser discutido dentro de um plano. E com todo o avanço tecnológico, porque o sistema de licenciamento não se transformou em um grande banco de dados? A falha não é apenas solicitar EIA-RIMA do pequeno empreendedor, é não permitir que ele consulte dados já enviados por pessoas e empresas em situação semelhante. Reclamamos do ‘copia e cola’, mas ele é resultado da própria demanda”, aponta.

Congresso 

O seminário promovido nesta sexta-feira (6) integra uma série de eventos preparatórios para o 2º Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto, que será promovido de 13 a 17 de outubro, em Ouro Preto.

“O licenciamento é muito importante para o desenvolvimento sustentável no país. Não deve apenas ter a função de ‘vetar’, mas sim ajudar na apropriação dos recursos naturais de forma sustentável”, finaliza José Cláudio.
Redação Dom Total

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