segunda-feira, 9 de junho de 2014

Sob o domínio da Fifa

Entidade divulga manual de conduta e interfere até em costumes tradicionais do Brasil.

Por Marco Lacerda*
"Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que só dizem sim...”. Essa canção de Chico Buarque – ‘Sonho de Valsa’ – bem que poderia ser um dos hinos da Copa do Mundo que começa nesta quinta-feira. Cai com uma luva num momento em que parecemos sofrer uma recaída na velha ‘Síndrome de Zé Carioca’ que nos estigmatizou no passado e volta a nos estigmatizar aos olhos do mundo, no presente.
Levados por um governo sem estatura internacional, nos deixamos submeter com obediência cega à humilhante cartilha de uma organização corrupta como a FIFA, que desde já parece governar o país com autoridade de sócio.
Não podia ser diferente. Interessado apenas em perpetuar-se no poder, o governo brasileiro vem dando um show de demência com gastos faraônicos e muitas vezes injustificáveis. Na fritada dos ovos, a maioria do povo pode voltar-se – ou já se voltou, a julgar pelas vaias do Morumbi no último amistoso – contra quem nada tem a ver com tal insanidade: a Seleção Brasileira.
Seja como for, não tem sido fácil para muitos dormir e acordar com a pergunta que não quer calar: valeu a pena gastar tanto dinheiro com a preparação da Copa num país com tantos problemas prioritários? Somem-se a isto a chacota e o deboche internacionais de que somos vítimas, sem falar da nossa resignada subserviência às ordens da máfia do futebol.
Já parou para pensar? Se não, vejamos:
Trocado em miúdos, o manual de conduta divulgado pela entidade praticamente só permite que o torcedor leve aos estádios a roupa do corpo. Tudo mais é proibido.
De acordo com outro decreto, o uso da palavra "pagode" para fins comerciais passa a ser propriedade da tal Federação até o fim do ano. Os transgressores serão punidos por lei.
Por determinação da Fifa e para garantia da estabilidade do governo, cinco Estados brasileiros (até agora) já aceitaram o reforço militar oferecido pelo Palácio do Planalto, num reconhecimento público da sua incapacidade de garantir segurança durante o evento.
Como quem se prepara para uma guerra, militares de São Paulo, usando máscaras, fazem exercícios simulando ataques químicos no Itaquerão, onde acontecerá o jogo de abertura. Também em São Paulo a polícia avisa que "teremos carros-pipa para conter manifestações" - pelo menos neste caso, devido à falta de água que os atormenta, os paulistanos entraram em êxtase.
Grosseiro e invasivo, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, além de demonstrar sua insatisfação com as demonstrações religiosas comuns no futebol brasileiro, determina que o povo seja amável no trato com os estrangeiros que chegam ao país – como quem tenta levar um pouco de civilidade a um país de primatas.
A pior cerveja do mundo, a norte-americana Budweiser, foi imposta como a cerveja oficial da Copa num momento em que as cervejas artesanais brasileiras ganham prestígio internacional.
Sem qualquer oposição, a Fifa descartou os laboratórios brasileiros e decidiu que os exames anti-doping do Mundial serão feitos na Suiça, não por acaso terra natal do cartola Joseph Blatter, um homem desprovido da neutralidade característica do seu país.
Precisa mais?
Não é necessário esperar pelo desfecho para dizer que esta Copa já é uma vergonha nacional. O governo alemão publicou um relatório oficial descrevendo o Brasil como “um país de alto risco”, ao mesmo tempo em que aponta as precauções a serem tomadas em caso de manifestações e assaltos, e os cuidados a serem observados pelos que, nos intervalos entre os jogos, pretendem se divertir com garotas/os de programa.
Não é motivo de escândalo, portanto, que um país que abre as pernas com tamanha facilidade seja tratado como um bordel. Manda a prudência, porém, que o anfitrião do Mundial tenha em mente os versos finais da canção que abriu este comentário: "... mas na manhã seguinte, não conta até vinte, te afasta de mim. Pois já não vales nada, és página virada, descartada do meu folhetim".
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Dom Total.

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