sexta-feira, 25 de julho de 2014

Dilma 11 a 1

As eleições no Brasil favorecem não só o governante, como todas as ideias estabelecidas.

Por David Paiva*

Tudo muito condizente com os bons costumes. O florentino Nicollò Machiavelli (1469-1527) já havia explicado: a primeira obrigação do príncipe (a força política hegemônica de uma sociedade) é “conquistar e manter o poder”. Tudo lhe é válido na busca dos recursos para exercer sua “virtù” em benefício de todos. Assim era e assim continuaria sendo enquanto a humanidade fosse a humanidade.
Do florentino até hoje, tantas fizemos, tantas teorias, marchas da insensatez e discussões de paz, que acabamos por limitar um pouco a liberdade de ação do príncipe. Machiavelli talvez desconfiasse da eficácia do nosso sistema de freios, mas alguns acreditam e protestam quando ele, o príncipe, dá socos na mesa (ou não apenas socos, nem exatamente na mesa).

Por isso é surpreendente que as eleições no Brasil – que foram desenhadas no recente 1988 e são regulamentadas a cada nova edição – sejam tão explicitamente preparadas para favorecer não só o governante do momento, como todas as ideias estabelecidas, por mais que já estejam com um pé no museu.

Criou-se aqui um engenhoso e intrincado mecanismo de propaganda eleitoral “gratuita” (na verdade, nada tem de gratuita, disso todos sabem; mas não é essa a questão). O horário “gratuito” de propaganda eleitoral é distribuído aos partidos conforme a representação de cada um no Congresso. Nas eleições estaduais, vale a representação nas Assembleias. Mas esse “tempo de TV” pode ser negociado livremente no mercado eleitoral – a decisão cabe ao partido (quanto menor ou mais utilitário, mais fácil a decisão). Assim, em troca do seu minuto, o partido tal ganha um cargo ou recebe dinheiro; e alegremente se soma à coligação-colmeia.

É claro que não há poder de aliciamento que se compare ao da coligação liderada pelo partido no poder. A prerrogativa de nomear, demitir, desviar leitos por onde corre dinheiro, é um poder incomparável à vista dos mercenários. Imaginem o que pode ter levado Paulo Maluf e Newton Cardoso, dois contemporâneos do Homem de Neandertal, aos braços de um governo de esquerda, que – assim pensa a maioria dos eleitores – está no Planalto para costurar um país menos atrozmente injusto e grotesco – isto é, menos Maluf e menos Newtão.

Reunindo na sua coligação, além do seu próprio e poderoso PT, partidos que vão do velho PDT brizolista e da federação de caciques conhecida como PMDB até aglomerações como PSD (Gilberto Kassab, invenção de José Serra) e PROS (liderado por ilustre senhor chamado Eurípedes Junior), a presidente Dilma chega afinal ao seu “tempo de TV”: 11min48seg. Aécio Neves terá 4min31seg. E Eduardo Campos dividirá com Marina, sua vice, 1min49seg. Todos ocuparão seu tempo com caríssimos programas escritos e produzidos por profissionais especializados na exploração dessa mina. No fim, haverá empate em platitudes, irrelevâncias, lugares-comuns e cafonice.

Mas e se a dupla Campos-Marina tivesse de fato alguma coisa para dizer? E se não fosse só perfumaria? Se alguém, com credenciais para tanto, trouxesse ao debate eleitoral algum conjunto de ideias inovadoras e consistentes, dificilmente teria lugar nos grandes partidos e, em partidos médios ou pequenos, não teria “tempo de TV” para expor e defender suas propostas. (Os debates, conduzidos segundo as regras em vigor, não passam de formalidades para engessar discursos e os próprios candidatos, tirando deles qualquer chance de parecerem humanos. São inassistíveis, a não ser por assessores de campanha.)

De acordo com o Datafolha (17 de julho), a rejeição de Dilma chega a 46% do eleitorado. (Até Lula se diz surpreso com a rejeição ao PT.) “Rejeição” exprime a seguinte ideia do eleitor: “Não voto em Dilma em hipótese alguma”. Com a propaganda eleitoral assimétrica e antidemocrática como é, não há rejeição que resista ao peso da superioridade do tempo da candidatura oficial. Não só de Dilma, mas de todas as candidaturas oficiais. Assim o Brasil, no pior sentido do maquiavelismo, como se estivesse fazendo o bem, pune a inovação.
*David Paiva cursou História na UFMG, foi redator publicitário e é autor do livro “Memórias dos ‘abitantes’ de Paris”.

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