sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O equívoco disponível

Eduardo Campos foi figura relevante num país em que a maioria dos políticos não passa de parasitas do Estado.

Por David Paiva*

Apesar do erro de aceitar Marina no partido e na própria chapa, Eduardo Campos foi uma alternativa real. Morto aos 49 anos, formou-se em ambiente marcado pelas lutas por avanços sociais e nunca seria uma figura irrelevante num país em que a grande maioria dos políticos não passa de parasitas do Estado.

A candidatura de Campos à presidência tinha vários aspectos não apenas positivos, mas também novos. Além do discurso consistente de crítica ao velhíssimo Brasil coronelístico, avalizado pela aprovação do seu governo por 75% dos pernambucanos, ele trazia para o centro da grande política nacional uma visão de fora do Sudeste. Vinha de um Nordeste sem vínculos com a ditadura. Nada tinha a ver com Sarney, Collor de Melo, ACM, essas peças do acervo do museu nacional do atraso. Desde Epitácio Pessoa, nenhum líder nordestino, sem escalas ao sul, chegou a uma posição tão relevante na política brasileira.

Campos morreu como um candidato que ainda não tinha decolado. Seu partido, o PSB, é uma sigla sem a estrutura do PSDB. Sempre alinhado ao PT, o partido denunciou agora o esgotamento petista e trocou o apoio a Dilma pela candidatura de Campos. Os socialistas eram algo como uma caravana se deslocando. Pareciam estar no meio do caminho – seu rótulo era da oposição, mas sua chapa reunia dois ex-ministros de Lula.

Nesse deslocamento, cujas razões Campos explicava com clareza e serenidade, havia (ou há) um defeito grave: a presença de Marina Silva. A ex-ministra do Meio Ambiente não é exatamente uma oposicionista. Ela não seria candidata a qualquer cargo pelo PT, já que estava rompida com o partido depois de perder a sustentação mínima no governo, mas seus problemas com o petismo parecem gerar mais saudade que oposição. Talvez porque sua prática e ideias políticas nunca foram muito claras, exceto na questão que carrega por toda a vida e toda parte como uma obsessão: o discurso nebuloso (ou “sonhático”, como diz) da “sustentabilidade”.

Esse discurso se confunde com a própria imagem de Marina. Tanto discurso quanto imagem são dissociados do mundo real com que todo político – um governante mais ainda – é obrigado a lidar. Nos tempos do PT, ela merecia a atenção prestada ao conjunto do partido e suas propostas, como força política real e crescente. Fora do PT, restou-lhe uma voz frágil, assustadoramente incorpórea, que não se ajusta nem ao mundo nem a partidos políticos viáveis.
Tanto assim que não conseguiu fundar o seu, depois se brigar com seu segundo partido, o Partido Verde. Mesmo com vinte milhões de votos na eleição presidencial de 2010, Marina não conseguiu reunir o número suficiente de assinaturas para sua Rede de Sustentabilidade. Ficava evidente seu desgaste, a progressiva evaporação da sua etérea personagem. Quando aderiu ao PSB de Eduardo Campos, chegou levando na mala várias divergências, principalmente aquela divergência, ou incompatibilidade, ou birra, seja lá o que for – só não é coisa de político responsável –, em relação ao agronegócio.

Pensava-se que levava também, em outra mala, aquele enorme pacote de votos de 2010. Mas os votos eram todos apolíticos, daquele tipo que expressa a vontade de não votar. Em outras palavras, o ato político por definição praticado com o objetivo de negar a política – aquele voto que, seguindo-se em frente, dá no Tiririca.
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Eduardo Campos teria tido mais desenvoltura e protagonismo sem a obrigação de explicar Marina Silva. Com seu estilo artificial, ela sempre foi o oposto de Campos. Agora o partido tem dez dias, a partir da quarta-feira 13, para apresentar novos candidatos. Que seja fiel a Campos e não a um equívoco de Campos, embora esteja à mão.

 
*David Paiva cursou História na UFMG, foi redator publicitário e é autor do livro “Memórias dos ‘abitantes’ de Paris”.

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