Qual não foi a minha surpresa ao descobrir a vontade dos venezianos de se separarem da Itália.
Por Lev Chaim*
Quem entra pelos cantos da legendaria praça de San Marco, em Veneza, Itália, do lado oposto ao da catedral, ao som de uma música qualquer - a minha foi o bolero de Ravel - jamais a esquece. É como se a imagem e som se mesclassem e ativassem as células sensitivas do cérebro e da pele, dando a impressão de que, às vezes, o céu também desce à Terra. Ali estava a Piazza San Marco, que tem como símbolo um leão.
Sou fã de Veneza e leio tudo que me cai às mãos sobre a cidade. Qual não foi a minha surpresa ao deparar-me com um artigo que comentava a vontade dos venezianos de se separarem da Itália. Sabe-se que a República Independente do Veneto existiu cerca de mil anos: desde o final do século 17 até a invasão de Napoleão, em 1797. E, desde 1861, ela é parte da Itália unificada.
Segundo o artigo, a maioria dos 4,8 milhões habitantes da cidade seria favorável à separação. Eu, particularmente, não acredito. Até bem pouco tempo, a municipalidade de Veneza era conhecida como uma das mais corruptas do país. Nunca havia dinheiro suficiente para a execução dos planos para a construção de eclusas, contra a maré alta e enchentes.
Em abril passado, um bando de “Patriotas” (como eles se autodenominam) entrou pela praça de San Marco rodopiando bandeiras da Veneza Republicana e gritando slogans de que Veneza estaria melhor, separada da Itália. Para os carabineiros italianos, aqueles eram apenas um bando de criminosos. Todos os 22 anarquistas foram presos e soltos, por falta de provas mais concretas.
Ai, fui pesquisar mais profundamente. Um dos motivos alegados por esses separatistas, foi o descontentamento com a globalização da crise econômica mundial, que atingiu a Itália com toda a força. E eles alegam que em Veneza reina o mesmo sentimento nacionalista que na Catalunha ( Espanha), na Escócia (Reino Unido) e em Flandres (Bélgica).
E descobri também que eles já haviam se manifestado em 1967, quando então ocuparam a principal praça de Veneza, a Piazza San Marco, com uma réplica de um tanque militar. Um dos chefes dos separatistas, o italiano Luca Chiavegato, acha que a polícia jamais terá provas para incriminá-los, porque seus planos são sempre discutidos em dialeto do Veneto e os carabineri, importados do sul da Itália, não os entendem.
Mas tudo isto passou desapercebido para toda a Europa. Agora, por um acaso, é que li algo a respeito desses patriotas, reunidos em Trieste, outra cidade do Veneto, para declarar a independência da sua região do resto da Itália, apenas com base em um plebiscito realizado por eles próprios. Alguns pequenos empresários locais até pregaram a insubordinação fiscal - o não pagamento de impostos à Roma.
Em 1979, o italiano Franco Rochetta, membro dos “Patriotas”, fundou um partido separatista, “ a Liga do Veneto” que, mais tarde, transformou-se na Liga Norte, pelas mãos de um outro líder mais esperto, Úmberto Bossi. Este revestiu o partido com um caráter mais federalista, mas nem por isto, menos oportunista e menos racista: é contra imigrantes do sul da Itália e de fora. Podem imaginar uma Europa sem Veneza, sem Barcelona ou Antuérpia? Eu, não!
A arquitetura veneziana é o próprio exemplo da renascença e a cidade foi o berço de muitos gênios da pintura do mesmo período. O veneziano Titiaan (1487-1576), pioneiro da pintura a óleo em telas e painéis, é um dos exemplos. Ali, na igreja Santa Maria Gloriosa dei Frari, tem o seu mundialmente famoso painel a óleo, da Assunção de Maria. É ver, suspirar e morrer de encanto.
E tem muitos outros, tais como Ciacopo Bellini, fundador da escola de pintores de Veneza, cujos trabalhos, em sua maioria, desapareceram, mas os seus livros de esquetes, com suas pinturas, podem ser apreciados no Museu Britânico ou no Louvre.
Muitos dos filmes da minha juventude, italianos ou não italianos, têm a Veneza italiana em destaque. Quem viu, jamais esqueceu. Por exemplo, a película do diretor Franco Brusati, “Dimenticare Venezia” – Para esquecer Veneza ( de 1979, Oscar do melhor filme estrangeiro de 1980, com Mariangela Melato). Ou mesmo o legendário La Dolce Vita, de Frederico Fellini (1960).
E também a produção franco-italiana de 1971, do mestre italiano, Luchino Visconti, “Morte em Veneza”, baseado no romance homônimo do escritor alemão Thomas Mann, publicado pela primeira vez em 1912. Foi ao cair em um dos canais de Veneza, quando filmava Summertime, em 1955, que Katharine Hepburn, adquiriu uma infecção nos olhos que os deixaram vermelhos para toda a vida. São histórias da Veneza italiana.
Lembro-me até hoje, algumas horas antes da morte da minha mãe, em 2001, quando ela, com um sorriso maroto no rosto, disse baixinho: “filho, se morrer, não vou direto ao céu, porque antes vou dar um pulinho à Itália para rever Veneza”. Veneza é arte, experiência, pureza, magnificência, memória e tornou-se mãe. Tchau e até a próxima terça-feira.
Quem entra pelos cantos da legendaria praça de San Marco, em Veneza, Itália, do lado oposto ao da catedral, ao som de uma música qualquer - a minha foi o bolero de Ravel - jamais a esquece. É como se a imagem e som se mesclassem e ativassem as células sensitivas do cérebro e da pele, dando a impressão de que, às vezes, o céu também desce à Terra. Ali estava a Piazza San Marco, que tem como símbolo um leão.
Sou fã de Veneza e leio tudo que me cai às mãos sobre a cidade. Qual não foi a minha surpresa ao deparar-me com um artigo que comentava a vontade dos venezianos de se separarem da Itália. Sabe-se que a República Independente do Veneto existiu cerca de mil anos: desde o final do século 17 até a invasão de Napoleão, em 1797. E, desde 1861, ela é parte da Itália unificada.
Segundo o artigo, a maioria dos 4,8 milhões habitantes da cidade seria favorável à separação. Eu, particularmente, não acredito. Até bem pouco tempo, a municipalidade de Veneza era conhecida como uma das mais corruptas do país. Nunca havia dinheiro suficiente para a execução dos planos para a construção de eclusas, contra a maré alta e enchentes.
Em abril passado, um bando de “Patriotas” (como eles se autodenominam) entrou pela praça de San Marco rodopiando bandeiras da Veneza Republicana e gritando slogans de que Veneza estaria melhor, separada da Itália. Para os carabineiros italianos, aqueles eram apenas um bando de criminosos. Todos os 22 anarquistas foram presos e soltos, por falta de provas mais concretas.
Ai, fui pesquisar mais profundamente. Um dos motivos alegados por esses separatistas, foi o descontentamento com a globalização da crise econômica mundial, que atingiu a Itália com toda a força. E eles alegam que em Veneza reina o mesmo sentimento nacionalista que na Catalunha ( Espanha), na Escócia (Reino Unido) e em Flandres (Bélgica).
E descobri também que eles já haviam se manifestado em 1967, quando então ocuparam a principal praça de Veneza, a Piazza San Marco, com uma réplica de um tanque militar. Um dos chefes dos separatistas, o italiano Luca Chiavegato, acha que a polícia jamais terá provas para incriminá-los, porque seus planos são sempre discutidos em dialeto do Veneto e os carabineri, importados do sul da Itália, não os entendem.
Mas tudo isto passou desapercebido para toda a Europa. Agora, por um acaso, é que li algo a respeito desses patriotas, reunidos em Trieste, outra cidade do Veneto, para declarar a independência da sua região do resto da Itália, apenas com base em um plebiscito realizado por eles próprios. Alguns pequenos empresários locais até pregaram a insubordinação fiscal - o não pagamento de impostos à Roma.
Em 1979, o italiano Franco Rochetta, membro dos “Patriotas”, fundou um partido separatista, “ a Liga do Veneto” que, mais tarde, transformou-se na Liga Norte, pelas mãos de um outro líder mais esperto, Úmberto Bossi. Este revestiu o partido com um caráter mais federalista, mas nem por isto, menos oportunista e menos racista: é contra imigrantes do sul da Itália e de fora. Podem imaginar uma Europa sem Veneza, sem Barcelona ou Antuérpia? Eu, não!
A arquitetura veneziana é o próprio exemplo da renascença e a cidade foi o berço de muitos gênios da pintura do mesmo período. O veneziano Titiaan (1487-1576), pioneiro da pintura a óleo em telas e painéis, é um dos exemplos. Ali, na igreja Santa Maria Gloriosa dei Frari, tem o seu mundialmente famoso painel a óleo, da Assunção de Maria. É ver, suspirar e morrer de encanto.
E tem muitos outros, tais como Ciacopo Bellini, fundador da escola de pintores de Veneza, cujos trabalhos, em sua maioria, desapareceram, mas os seus livros de esquetes, com suas pinturas, podem ser apreciados no Museu Britânico ou no Louvre.
Muitos dos filmes da minha juventude, italianos ou não italianos, têm a Veneza italiana em destaque. Quem viu, jamais esqueceu. Por exemplo, a película do diretor Franco Brusati, “Dimenticare Venezia” – Para esquecer Veneza ( de 1979, Oscar do melhor filme estrangeiro de 1980, com Mariangela Melato). Ou mesmo o legendário La Dolce Vita, de Frederico Fellini (1960).
E também a produção franco-italiana de 1971, do mestre italiano, Luchino Visconti, “Morte em Veneza”, baseado no romance homônimo do escritor alemão Thomas Mann, publicado pela primeira vez em 1912. Foi ao cair em um dos canais de Veneza, quando filmava Summertime, em 1955, que Katharine Hepburn, adquiriu uma infecção nos olhos que os deixaram vermelhos para toda a vida. São histórias da Veneza italiana.
Lembro-me até hoje, algumas horas antes da morte da minha mãe, em 2001, quando ela, com um sorriso maroto no rosto, disse baixinho: “filho, se morrer, não vou direto ao céu, porque antes vou dar um pulinho à Itália para rever Veneza”. Veneza é arte, experiência, pureza, magnificência, memória e tornou-se mãe. Tchau e até a próxima terça-feira.
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças para o Dom Total.
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