terça-feira, 4 de novembro de 2014

Poluição luminosa

04/11/2014  |  domtotal.com

A mudança do equilíbrio natural entre o dia e a noite, acreditam os cientistas, ameaça a vida em nosso planeta.

Por Lev Chaim*

As noites já não estão mais tão escuras. Não é uma constatação poética, mas científica. Elas estão mais claras, bem mais claras do que nos tempos de nossos avós. Não porque os astros brilham mais fortes, mas pelo uso intensivo da eletricidade para “iluminar” a bendita escuridão. 

Se antes eram apenas as velas, hoje, são as lâmpadas de todas as formas e tamanhos, inclusive as dos automóveis, que tornam as noite mais claras e tiram o sossego do habitat natural noturno; além de causarem um grande desequilíbrio ecológico, bem maior do que se pensa. Sem dizer ainda que a claridade impede a visualização do esplendor das estrelas – a famosa noite estrela. Até a coruja está dormindo à noite, pensando que é dia.

A cada ano, as noites holandeses tornam-se de 3 a 5% mais claras, segundo cientistas especializados no assunto. E é também um fenômeno mundial, com consequências graves. Pode-se dizer que já não se consegue encontrar a “escuridão original” da noite na densamente povoada Holanda, fenômeno que os cientistas denominam de “Poluição Luminosa”. Aliás, a noite holandesa é uma das mais iluminadas do mundo. Progresso? Não, pelo contrário! 

Na semana retrasada, para dar o alerta sobre o problema, autoridades e outras entidades holandesas promoveram “a noite das noites”, quando milhares de lâmpadas foram desligadas e atividades noturnas foram promovidas, todas elas ligadas à astronomia, num projeto denominado de “As noites de Galileu” – o pai da astronomia moderna. Foi a nona festa do tipo na Holanda.

Em 120 municípios apagaram-se as lâmpadas das ruas, das igrejas, pontes, prédios, construções públicas e privadas para que todos experimentassem a “noite das noites”. Tudo em prol da beleza de uma noite escura, onde as estrelas brilharam em todo o seu esplendor. E cerca de 250 atividades foram promovidas para uma maior participação popular no projeto Galileu. Sem dizer ainda que tudo isto estimula a economia de energia.

Apesar de Galileu Galilei, cientista italiano de Pisa, excomungado pela Igreja Católica por “blasfêmias”, ser denominado de o pai da astronomia moderna, não foi ele o inventor do telescópio, com muitos pensam. A invenção foi de dois oculistas holandeses da cidade de Middelburg: Zacharias Janssen e Hans Lippertrey. Mas, o primeiro a usá-lo para mirar os astros durante a noite, foi mesmo Galileu.

Foi aí que Galileu descobriu as luas do planeta Júpiter, as fases de Vênus, as cavidades da Lua etc. Com essas descobertas, ele chegou à conclusão de que, ao contrário da visão de Platão e Aristótoles, de que a Terra era o centro do Universo e tudo girava à sua volta, o centro mesmo era o sol; e a Terra é que girava em sua órbita.

Tudo aconteceu no século 17, quando a Igreja Católica ainda apoiava a visão do filósofo Aristótoles. Por isto mesmo, Galileu foi julgado por um tribunal eclesiástico e condenado à prisão domiciliar perpétua: de 1633 até a sua morte, em 1642.

Ao contrário de Galileu, o também italiano Giordano Bruno, por volta de 1600, foi queimado vivo na fogueira como o pior de todos os hereges, por ter mencionado publicamente seus pensamentos de que o sol era o centro do Universo. Com o seu silêncio, Galileu, mesmo sob o regime de prisão domiciliar perpétua, ganhou o direito de se manter vivo. Vivo?

Mais tarde, bem mais tarde, os cientistas Johannes Kepler e Isaac Newton provaram no papel o que Nicolaas Copérnico só havia teorizado e Galileu visualizado: a existência do sistema solar, onde os astros giram em torno do Sol e não da Terra, como se acreditava até então.

Portanto, durante a comemoração da “noite das noites”, na semana retrasada, com todas as luzes apagadas, tentou-se conscientizar o público da importância do fato, principalmente para a Holanda que, cada vez mais, perde a sua escuridão natural noturna. Com isto, lembro-me de cidades extremamente iluminadas durante a noite, tais como Tóquio, Nova Iorque, Hong Kong entre outras em todo o mundo.

A Holanda, 250 vezes menor que o Brasil, transformou-se à noite numa massa iluminada artificialmente. A mudança do equilíbrio natural entre o dia e a noite, acreditam os cientistas, ameaça diretamente a vida em nosso planeta. Para os mais afortunados, que ainda têm a verdadeira escuridão da noite, desejo-lhes uma boa noite de Galileu, escurinha como breu.
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças-feiras para o Dom Total.

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