Com Madalena, no ap de Billy
20MAR
Um dos meus filmes mais amados e mais revisitados é “Se meu apartamento falasse” (“The apartment”, 1960, de Billy Wilder). Revisitei-os tantas vezes que ele terminou por entrar na apertada lista dos meus dez mais.
De “Se meu apartamento falasse” conheço todos os detalhes e tenho, na cabeça, todo o seu sequenciamento de cenas. Sei, quase de cor, os diálogos principais e ainda hoje vibro quando Fran (Shirley McLaine), dias depois de sua tentativa de suicídio por desilusão amorosa, indaga a si mesma e a Baxter (Jack Lemmon) por que será que ela, ao invés de sofrer com quem não a ama, não se apaixonava por um cara tão legal como ele, e este, filosófico e brincalhão, responde que “That´s the way it crumbles, cookie-wise”.
Os tradutores das legendas se embaraçam com a frase, e com razão. Esse “it” é uma referência à vida e uma tradução livre mas fiel seria mais ou menos “é assim que a vida se esmigalha: feito um biscoito”, sugerindo que ninguém pode fazer nada em relação ao modo como as coisas acontecem. No final do filme, quando o amante sacana (Fred McMurray) conta a Fran que Baxter perdera o emprego por causa dela, ela de súbito entendendo o que houve (paixão), responde com a mesma frase que ouvira de Baxter, e sai correndo em busca de seu novo e sincero amor.
Sempre houve, porém, uma coisa em “Se meu apartamento falasse” que me escapava e me intrigava, no caso, em sua trilha sonora. Adoro o tema melódico principal do filme, a bela composição de Adolph Deutsch, porém, a minha dúvida não residia aí. Residia numa outra música do filme, mais circunstancial, porém não menos importante na perspectiva da diegese, aquela que, com certa insistência, ouvimos toda vez que os mal intencionados colegas de Baxter se dirigem ao seu mui visitado apartamento.
Isto para não dizer que ela é executada para o próprio Baxter. Vocês lembram: na noite de Ano Novo, ele, solitário e desiludido, leva para casa aquela coroa meio porra louca que o abordou em um bar. Ao entrarem no apartamento, os dois bêbados, a primeira coisa que Baxter faz é ligar a radiola e por um disco, e a música toma conta do ambiente, enquanto o casal furtivo, gingando com o ritmo, faz os preparativos para sua performance erótica.
Pois eu sempre achei que conhecia essa música, de onde, exatamente, não tinha a menor ideia. No filme, a execução é só instrumental, sem palavras, mas havia, nela, alguma coisa, vinda do fundo da minha memória auditiva, – como se da minha infância – que me dizia que aquela música era familiar. Em conformidade com o erotismo sugerido nesta cena e alhures, trata-se de uma música animada, de ritmo quente, feita para movimentar o corpo, com todo o jeitão de samba.
De samba? Foi aí que a ficha caiu. Um belo dia, fiquei, depois do filme revisto, com a música na cabeça e, solfejando-a de mim para mim, matei a charada. Sim, no meio do solfejo, as palavras começaram a me ocorrer: ´chorar/chorei/amar/amei…’ Não havia dúvidas: era um sucesso dos velhos carnavais brasileiros, lá dos inícios dos anos cinqüenta, por isso mesmo estava correta a impressão de estar tudo ligado a minha infância. O nome veio logo em seguida, “Madalena”, e abaixo reproduzo a primeira estrofe da letra que, tenho certeza, o pessoal da minha faixa etária facilmente identificará:
“Chorar como eu chorei, ninguém deve chorar; amar como eu amei, ninguém deve amar; chorava que dava pena, por amor a Madalena, e ela, me abandonou, diminuindo no jardim uma linda flor…”
A partir daí, parti para a pesquisa. Os autores são Ari Macedo e Airton Amorim e, em 1951, a canção foi gravada por Linda Batista, conquistando os foliões daquele ano e perdurando por muito tempo entre uma das mais curtidas da MPB.
Identificada a música, vieram as perguntas, para as quais infelizmente não tenho resposta. Como a equipe de Billly Wilder chegou a essa canção carnavalesca brasileira, e, mais importante, por que ela sequer é creditada no filme? Se não foi creditada, não houve reclamações? Os autores brasileiros nunca se manifestaram sobre o fato de ter uma canção usada em um filme que, inclusive, ganhou o Oscar do ano? Que disco é aquele que Jack Lemmon põe a rodar na cena acima referida? Teria a gravadora brasileira cedido os direitos autorais a alguma empresa americana?
As biografias dos compositores não indicavam qualquer tipo de relação com Hollywood, ou sequer com os States.
Descobri também que, bem antes do filme de Billy Wilder, a canção aparecera em dois filmes mexicanos de 1953, que desconheço: “Uma aventura no Rio” de Alberto Gout e “Los dineros del diablo” de Alejandro Galindo. Isto, porém, não nos ajuda em nada, salvo na constatação óbvia de que “Madalena” transpôs as fronteiras nacionais, legalmente ou contrabandeada, continuo sem saber.
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Dez anos depois descubro alguém levantando uma curiosidade sobre um dos meus filmes preferidos. Para essas coisas além de pornô é claro que a internet foi inventada. Obrigado amigo que nem conheço, mas já considero muito. Um abrço apertado de mais um fã desse filme e da Fran em particular
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