28/11/2014 | domtotal.com
No Brasil, cavalo bretão naquela época era coisa rara.
Por Fernando Fabbrini*
Que graça teria a vida se não existisse o mal-entendido?
Primeiro. Ele era um próspero sitiante, quase um fazendeiro. Gostava de cavalos, metia-se a entender do assunto. Numa viagem à França, viu de perto um cavalo bretão, aquele de patas largas, forte e elegante, bom para puxar carroças de feno na Bretanha ao som de um acordeom nostálgico. Apaixonou-se pelo bicho. Mas, no Brasil, cavalo bretão naquela época era coisa rara; só alguns criadores diziam conhecer, muito difíceis. Teimoso, ele não desistiu. Deu telefonemas, olhou revistas, mandou cartas para todo lado. (Ainda não existia internet) E ficou à espera de alguma novidade.
Um dia, o caseiro avisou que tinha um recado sobre o cavalo esquisito. Alguém nos cafundós do Paraná mandara dizer que tinha um cavalo bretão, macho, para vender. Porém, tinha de ser logo: o dono estava apertado, precisando de dinheiro, preço de pechincha. Ele não titubeou. Tirou uns dias de férias no trabalho, emendou com o fim de semana. Subiu na camionete, viajou noite e dia, pegou chuva, atolou-se, perdeu-se várias vezes numa estradinha de terra. Mas chegou lá, exausto. Um grandalhão louro, com cara de gringo, abriu a porteira e cumprimentou-o com um largo sorriso:
— O senhor veio ver o animal? Entra, entra!
Num curral miserável, um cavalo grande, comum e de pelagem negra. O dono coçou a cabeça:
— Ué, o senhor não queria um cavalo assim, bem pretão? Olha a cor dele, que beleza!
Segundo. Três amigos que gostavam de jazz. Eram fanáticos, não perdiam um lançamento; trocavam CDs e revistas, identificavam Duke Ellington pelo primeiro acorde. Um dia, deu no jornal: Stan Getz, o saxofonista, faria uma turnê pelo Brasil. E – oba! – a cidade deles estava no roteiro. Correram para comprar os ingressos com antecedência. Quatro lugares.
— Quatro, por quê? – quis saber um.
— É pra Marinês, minha mulher. Quando contei sobre o show do Stan Getz, ficou doidinha. Disse que fazia questão de ir, que não perderia por nada. Achei esquisito, ela nunca gostou de jazz...
Marinês saiu da plateia pisando duro logo que o velho Stan soprou no cachimbo as primeiras notas de Garota de Ipanema. E os três amigos tiveram de sair em seguida, segurando as gargalhadas, para rirem mais à vontade no foyer. Pobre Marinês. Jurava que iria assistir a um show de tango inédito, apresentado por um imaginário grupo argentino de mulheres denominado As Tanguetes.
Terceiro. O moço era bom e humilde. Trabalhava como balconista numa loja de tintas e material de construção em geral. Um dia, visitou uns primos em Governador Valadares; ouviu histórias, perdeu o juízo. Arrumou dinheiro com um padrinho, vendeu o pouco que tinha, pegou um avião para o México e entrou ilegal nos Estados Unidos para mudar de vida.
Marlene, a namorada, chorava aflita, com saudades. Sequer conseguia concentrar-se no trabalho de babá dos gêmeos. E sofreu tanto que os patrões dela se comoveram. Indo a Miami de férias, pegaram o endereço do rapaz. Encontraram-no feliz, vendendo bugigangas para turistas na loja de um cubano. Na volta, os patrões trouxeram presentinhos, retratos e lembranças.
— Ele está bem, Marlene. Vem lhe visitar quando der, está ajuntando uns trocados. Trabalha vendendo souvenirs.
E Marlene, na alegria ingênua das almas simples:
— Ah, não acredito! Que danado! Vendendo tinta outra vez?
Que graça teria a vida se não existisse o mal-entendido?
Primeiro. Ele era um próspero sitiante, quase um fazendeiro. Gostava de cavalos, metia-se a entender do assunto. Numa viagem à França, viu de perto um cavalo bretão, aquele de patas largas, forte e elegante, bom para puxar carroças de feno na Bretanha ao som de um acordeom nostálgico. Apaixonou-se pelo bicho. Mas, no Brasil, cavalo bretão naquela época era coisa rara; só alguns criadores diziam conhecer, muito difíceis. Teimoso, ele não desistiu. Deu telefonemas, olhou revistas, mandou cartas para todo lado. (Ainda não existia internet) E ficou à espera de alguma novidade.
Um dia, o caseiro avisou que tinha um recado sobre o cavalo esquisito. Alguém nos cafundós do Paraná mandara dizer que tinha um cavalo bretão, macho, para vender. Porém, tinha de ser logo: o dono estava apertado, precisando de dinheiro, preço de pechincha. Ele não titubeou. Tirou uns dias de férias no trabalho, emendou com o fim de semana. Subiu na camionete, viajou noite e dia, pegou chuva, atolou-se, perdeu-se várias vezes numa estradinha de terra. Mas chegou lá, exausto. Um grandalhão louro, com cara de gringo, abriu a porteira e cumprimentou-o com um largo sorriso:
— O senhor veio ver o animal? Entra, entra!
Num curral miserável, um cavalo grande, comum e de pelagem negra. O dono coçou a cabeça:
— Ué, o senhor não queria um cavalo assim, bem pretão? Olha a cor dele, que beleza!
Segundo. Três amigos que gostavam de jazz. Eram fanáticos, não perdiam um lançamento; trocavam CDs e revistas, identificavam Duke Ellington pelo primeiro acorde. Um dia, deu no jornal: Stan Getz, o saxofonista, faria uma turnê pelo Brasil. E – oba! – a cidade deles estava no roteiro. Correram para comprar os ingressos com antecedência. Quatro lugares.
— Quatro, por quê? – quis saber um.
— É pra Marinês, minha mulher. Quando contei sobre o show do Stan Getz, ficou doidinha. Disse que fazia questão de ir, que não perderia por nada. Achei esquisito, ela nunca gostou de jazz...
Marinês saiu da plateia pisando duro logo que o velho Stan soprou no cachimbo as primeiras notas de Garota de Ipanema. E os três amigos tiveram de sair em seguida, segurando as gargalhadas, para rirem mais à vontade no foyer. Pobre Marinês. Jurava que iria assistir a um show de tango inédito, apresentado por um imaginário grupo argentino de mulheres denominado As Tanguetes.
Terceiro. O moço era bom e humilde. Trabalhava como balconista numa loja de tintas e material de construção em geral. Um dia, visitou uns primos em Governador Valadares; ouviu histórias, perdeu o juízo. Arrumou dinheiro com um padrinho, vendeu o pouco que tinha, pegou um avião para o México e entrou ilegal nos Estados Unidos para mudar de vida.
Marlene, a namorada, chorava aflita, com saudades. Sequer conseguia concentrar-se no trabalho de babá dos gêmeos. E sofreu tanto que os patrões dela se comoveram. Indo a Miami de férias, pegaram o endereço do rapaz. Encontraram-no feliz, vendendo bugigangas para turistas na loja de um cubano. Na volta, os patrões trouxeram presentinhos, retratos e lembranças.
— Ele está bem, Marlene. Vem lhe visitar quando der, está ajuntando uns trocados. Trabalha vendendo souvenirs.
E Marlene, na alegria ingênua das almas simples:
— Ah, não acredito! Que danado! Vendendo tinta outra vez?
* Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália.
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