segunda-feira, 1 de junho de 2015

Duas orientações básicas

Marcus Eduardo de Oliveira

Dom Helder Câmara: luta contra todo tipo de desigualdade.
Pode-se agregar à Economia duas orientações básicas: 1) Ser funcionalista; 2) Ser dialética.
No que concerne às funções vitais (ser funcionalista), a Economia se apresenta em algumas dimensões próprias, a saber: estuda o comportamento dos homens; estuda o processo de escolhas; estuda os conflitos entre a existência de recursos limitados e o atendimento aos amplos, diversificados e ilimitados desejos das pessoas; estuda as diferentes possibilidades de produção entre outros.
Os bons manuais de Introdução à Economia contemplam detalhadamente esses aspectos.
Em relação à função vital dessa ciência, na essência, guardadas suas sutilezas, a principal delas talvez seja a de proporcionar satisfação às pessoas.
A palavra “satisfação”, no dicionário de economia, significa proporcionar uma vida melhor, ou seja, bem-estar.
Quanto à orientação em ser dialética, no sentido de provocar a discussão (o diálogo), ainda que em tom laudativo, a Ciência Econômica ganha um aspecto mais interessante ainda, pois nem sempre há consenso entre os economistas, dada suas diferentes orientações.
Como de costume, em não havendo consenso, as discussões pululam. Não por acaso, a arte da discussão entre os economistas, em sentido geral, é um dos pontos que mais chamam a atenção dos observadores da área.
Tomemos, nesse pormenor, apenas uma singela discussão em torno da questão conflitante ou amistosa, dependendo do ponto de vista, entre os campos econômico e o social.
Vejamos aqui um ponto de real dissenso entre os economistas em torno desse assunto. Alguns consideram os mercados, por exemplo, como construtores do campo social. Esses enxergam que os mercados operam, sempre, de modo o patrocinar o bem comum – aquele bem-estar acima mencionado.
Outros, no entanto, entendem que os mercados são sempre geradores de crises, promovendo, por consequência, convivência conflituosa com o aspecto social. É o conflito, nesse caso, que se realça.
A partir disso, uns buscam construir uma economia civil (civil economy); enquanto outros pautam a realidade econômica apenas pelo lado mercantil, longe, portanto, do civil, do social.
Aqueles que, com unhas e dentes, defendem o mercado como elemento de construção da harmonia, base para o equilíbrio social, entendem que sempre há e haverá sintonia entre o mercado e o aspecto social – inerente ao objetivo maior da economia que é promover qualidade de vida.
Entretanto, para aqueles que se colocam numa posição contrária, o mercado dificilmente tende (ou tenderá algum dia) a promover a experiência da sociabilidade humana dentro da vida econômica normal.
Desse modo, para uns, a teoria econômica está correta em ser centralizada nas mercadorias – e no mercado, por conseguinte; já para outros, a base (e o objetivo ímpar) de fundamentação teórica dasciências econômicas é e sempre será a vida humana, com todas as suas manifestações: trabalho, lazer, bem-estar, bem-viver, consumo, produção etc.
Dentro dessas manifestações díspares emerge uma importante pergunta: afinal, qual é de fato e de direito o horizonte da economia?
Em nosso entendimento, o horizonte da economia é um só: a construção (e consolidação) de uma nova sociedade que leva a edificação de algo mais proeminente: a libertação do homem.
Construir uma nova sociedade significa, pormenorizadamente, promover, antes, a libertação do homem - principalmente a libertação do jugo econômico.
Não há liberdade, e nem poderia haver, sob uma espécie de jugo que determina as ações e os passos de cada um. A libertação do indivíduo decorre, essencialmente, do alcance da liberdade econômica, pois isso permite, igualmente, a possibilidade de novos fazeres.
Essa possibilidade vem na esteira daquilo que se convenciona entender por desenvolvimento da economia, como bem pontua Amartya Sen em “Development as Freedom”.
Daí o conceito elementar que prescreve que o desenvolvimento econômico promove, na essência, a liberdade. Nesse pormenor, é certo é que só há possibilidade de se construir uma nova sociedade, caso também “nasça” um “novo homem”. É nesse sentido então que ganha relevância ímpar uma relação que é pouco comentada entre a Teologia e a Economia, quando se “mesclam”, dentro dessas duas visões, um objetivo próprio e correlato: o objetivo precípuo de levar liberdade às pessoas.
Da relação dessas ciências, desses modos de pensar e ver o mundo, que para muitos pode até mesmo não fazer sentido, dois aspectos, em nosso entendimento, tende a se realçarem e ganham, pois, relevância própria.
Se, definitivamente, entendermos que os modos de pensar da teologia e da economia, em especial no que toca a perspectiva ampla das condições de vida dos homens, se afirmam para com (e somente com) as questões que envolvem o viver, teremos clara a noção de que os fundamentos implícitos localizados nessas searas apontam para o fato primordial que busca enaltecer a teia da vida.
Ademais, quais seriam esses fundamentos enaltecidos e quais os dois aspectos de maior destaque da relação entre a Teologia e a Economia?
Ora, para se viver é necessário produzir bens e serviços. Isso cabe, estritamente, à Economia. O segundo aspecto está relacionado à pobreza – em especial à condição de ser pobre.
Não percamos de vista, nesse pormenor, que a Teologia, essencialmente, faz votos, desde seus textos fundadores, de luta ostensiva em defesa dos pobres.
São eles (os pobres), e ninguém mais, a figura principal de preocupação dos estudos teológicos. Não é por acaso que Jesus, quando inicia Seu ministério, deixa o Jordão e dirige-se à Galileia.
Lá, começa Sua peregrinação teológica por Cafarnaum, lugar que abrigava as comunidades mais pobres dentre as pobres de toda Galiléia. Pois bem, se do lado teológico tem-se essa premissa em favor da luta contra a pobreza, do lado dos estudos econômicos, entra-se numa discussão de quem (ou o quê) gera essa pobreza que afeta os mais pobres dentre os pobres, afetando todos os pobres em dimensões variadas.
É certo, todavia, que a pobreza, vendo-a pelas lentes da economia, não pode ser considerada uma condenação divina, mas, antes, está eivada de condições econômicas que, na verdade, decidiram pela sua existência.
Na essência, isso significa dizer, grosso modo, que ninguém é pobre por opção, mas todos os que são, assim o são por forças econômicas impostas; forças econômicas que decidem pela existência e até mesmo pela perpetuação da pobreza.
Logo, apenas e tão somente por esses aspectos realçados, a relação entre a Teologia e a Economia deve ser cada vez mais salientada e discutida em todos os fóruns que se propõem a encontrar soluções para o combate à miséria e à desigualdade social.
Para aguçar ainda mais essa discussão, é interessante trazer aqui uma passagem do teólogo peruano Gustavo Gutierrez que salienta tal perspectiva ao afirmar que “ser cristão hoje na América Latina é preocupar-se com o lugar onde os pobres dormirão”.
De igual monta, cabe adaptar essa contextualização para o aspecto econômico e também lançar a seguinte pergunta: o que os pobres comerão – se é que terão oportunidade de comer algo? E isso cabe à economia responder.
Nessa mesma linha de pensamento, Dom Hélder Câmara assim afirmou: “Quando dou comida para os pobres [eles] me chamam de santo. Mas, quando pergunto por que os pobres não têm comida [eles] me chamam de comunista”.
Sabemos muito bem quem são “eles” a quem Dom Hélder se referia. Resta apenas fazer com que [eles] não atrapalhem mais a condução da economia, numa simbiose com a teologia, para a realização do objetivo maior: construir uma nova sociedade a partir do “novo” homem emergido para a luta contra todo tipo de desigualdade.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista, especialista em Política Internacional pela (FESP) e mestre pela (USP) | prof.marcuseduardo@bol.com.br

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