sexta-feira, 26 de junho de 2015

O pai da luzinha azul

Alexander Graham Bell, o inventor do telefone, era também uma usina de paradoxos.

Por Max Velati*
Foi uma vida longa e cheia de paradoxos. Nasceu na Escócia, mas morreu no Canadá e na sua lápide declara-se cidadão norte-americano. Beirando a extrema pobreza e contra todo o bom senso, trabalhou por anos na invenção que o tornaria riquíssimo. Não era um cientista – sequer conhecia o básico de eletricidade –, mas seu invento pode ser considerado um dos maiores avanços tecnológicos da Humanidade. Admirado como uma das personalidades mais notáveis do seu tempo, preferia a solidão, o isolamento absoluto, e por 25 anos passou todos os finais de semana recluso na casa de barco de sua imensa propriedade.
Alexander Graham Bell, o inventor do telefone, era também uma usina de paradoxos. Professor de uma linguagem de sinais para surdos e mudos, criada pela família Graham, decidiu vencer na vida como inventor de um dispositivo sonoro que "tornasse mais próximos os membros da família humana". Conseguiu o seu objetivo no dia 9 de outubro de 1876, quando estabeleceu pela primeira vez uma conversa inteligível usando um aparelho que transformava sons em impulsos elétricos.
Alexander Graham Bell esperava bons resultados comerciais, mas não poderia prever o grande sucesso do seu esforço. Seria impossível antever a evolução que transformaria aquele aparelho elétrico repleto de fios no desconectado e onipresente celular, este tablete luminoso que para o bem e para o mal assumiu em menos de dois séculos o centro das nossas atenções. Tenho certeza que o Sr. Bell ficaria horrorizado ao perceber que o invento destinado a tornar a família humana mais próxima acabou tornando-a mais próxima apenas do invento, afastando-a de todo o resto.
Esta semana fui a uma festa junina organizada pela igrejinha aqui do bairro. Festa simples, gente simples, fogueira simples, bandeirinhas simples, quentão simples e um aparelho de som simples despejando no ar uma sinfonia de chiados e os sucessos de sanfona obrigatórios nesta época. Contei cerca de 120 pessoas; uma dezena de crianças barulhentas, rapazes com bonés virados e cheios de atitude, moças de batom vermelho vivo, gorros de lã e botas de couro e uns poucos idosos tiritando de frio perto da fogueira.
Descrevendo assim parece uma festa junina típica, mas não foi, graças ao Sr. Bell. Reunidos em grupinhos de cinco ou seis, todo mundo estava entretido com o celular, mandando mensagens ou mostrando vídeos postados no Facebook. Com exceção dos poucos idosos, e aqui me incluo, todo mundo estava ocupado com seus tabletinhos, com o rosto azulado e olhar apalermado, graças ao Sr. Bell.
Minha esposa e uma amiga tinham preparado algumas atividades para as crianças, com disputas e jogos com prenda, mas foi uma dificuldade reunir crianças e pré-adolescentes. Ninguém queria largar o celular.
Eu, que confesso uma obsessão por fogueiras e troco feliz o melhor programa de TV por um punhado de madeira queimando, fiquei perto do fogo observando todo mundo, avaliando a cena triste; dezenas de frias luzinhas azuis piscando estupidamente enquanto céu e fogo ofereciam um grande espetáculo.
Meu ponto de vista não é apenas um resmungo ludita, uma birra infantil contra a invenção do Sr, Bell. Tenho bons motivos. A certa altura da festa, um homem - consultando o celular, é claro! - jogou na fogueira num gesto displicente uma caixa vazia de fogos de artifício. Pelo menos ele pensou que a caixa estivesse vazia.
Não estava.
Um foguete explodiu e lançou três bolas de fogo na direção da multidão. Por uma diferença de dois palmos um grupinho de quatro adolescentes escapou de uma tragédia. Falo de perigo real, ambulância e ala de queimados, mas as jovens sequer perceberam o que tinha acontecido. Olharam com descaso a fumaça dos três foguetes que explodiram no muro do terreno, sem entender que os rojões haviam  passado perigosamente perto. E assim como as meninas não perceberam, muita gente na festa não notou nada de estranho, hipnotizados que estavam por suas telinhas azuis. Só vão perceber quando alguém postar o caso no Facebook e um amigo curtir.
Era nisso que estava pensando, Sr. Bell? A invenção destinada a nos unir vai nos separar de tudo ao redor? É este o paradoxo?
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de S. Paulo.

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