sexta-feira, 3 de julho de 2015

O pecado favorito

Já concluí que um dos males do Poder é despertar o que certas pessoas têm de pior dentro de si.

Por Fernando Fabbrini*
(de Montreal). Escuto um caso aqui, presencio outro ali e vou colecionando algumas atrocidades cotidianas com o único objetivo de tentar entender um pouco mais a alma humana. Nem sempre consigo, mas já concluí que um dos males do Poder é despertar o que certas pessoas têm de pior dentro de si. Vejam se não tenho razão:
O cara foi nomeado diretor-qualquer-coisa num órgão público. Dono de um ego descomunal, dizia que tinha chegado lá pelo próprio valor - mas alguns amigos comentavam discretamente que era um caso clássico de Jabuti na Árvore. Sabem o que é isto? Seguinte: quando alguma pessoa galga de forma estranha um posto muito importante, diz a jurisprudência popular que devemos nos lembrar do quelônio no último galho de um grande abacateiro. E deduzir: “Ora: jabuti não sobe em árvore, logo... Foi alguém que botou ele lá”.  Pois bem: o tal diretor apresentou-se para o primeiro dia de trabalho e sabem o que fez? A primeira coisa, primeiríssima, antes mesmo de assentar-se à mesa, tomar um cafezinho ou cumprimentar seus novos subordinados? Chamou a secretária e disse:
— Dona fulana, vá à garagem e avise aos motoristas para jamais me dirigirem a palavra. Eu não falo com motoristas, entendido?
Outra história: o funcionário da autarquia recebeu um e-mail interno, coisa rotineira, enviado a todos os servidores, utilizando os nomes constantes do banco de dados do RH. Era um convite informal para o churrasco de aniversário da entidade. O cara imprimiu o e-mail, botou o paletó e a gravata e dirigiu-se ao setor de Comunicação, fulo da vida. Lá chegando, berrou com a moça humilde que distribuía a correspondência:
— Recebi isso aqui, olha! Da próxima vez, acrescente a palavra Doutor no cabeçalho, antes de meu nome. Sou um bacharel, exijo respeito! 
Nesse caso, o vaidoso se deu mal. O então presidente da autarquia, um cara absolutamente prático, descomplicado e bem humorado, ficou sabendo da história e não deixou por menos. Daí em diante, nas reuniões, dirigia-se à sua equipe – como de costume - usando até apelidos, com toda intimidade, assim: “Então, Beto, o que achou do novo orçamento?” A seguir, de propósito, o presidente estendia a pergunta:
— E o Doutor Fulano, tem algo a acrescentar?  - o board inteiro segurava o riso, enquanto o Doutorengolia seu gigantesco ego, tentando ainda manter a pose. Passou a ser vítima de bullyingcorporativo, coitado, até pedir transferência.
Há ainda o caso da Executiva-Jabuti. Por meio de manobras – algumas suspeitas, me disseram na época – alcançou a vice-presidência de uma grande empresa. Descobriu logo que fazia parte de suas mordomias o uso do jatinho executivo da instituição, bastava reservar e voar. Oba! Não o usou uma só vez para reuniões urgentes ou distantes. Mas incluiu a dita aeronave no seu arsenal de sedução feminina.  Conhecia um homem bonito, quase sempre em outra cidade, convidava-o para um fim de semana na casa de campo da própria empresa e jogava seu charme:
— Te mando buscar de avião, querido. Que tal?
Parece que poucos toparam os tais convites, já que a poderosa mulher não era propriamente uma companhia simpática, agradável e atraente. Passou ao folclore empresarial com a triste alcunha aeronáutica de “Dona Biruta”.
Tudo isso me faz lembrar a frase genial de Al Pacino em “O Advogado do Diabo”, onde ele contracena com Keanu Reeves e Charlize Theron fazendo o papel do próprio capeta. Numa última tentativa de se apossar da alma do jovem causídico vivido por Keanu, ele faz uma proposta sedutora - aceita de imediato pelo rapaz. Al Pacino sorri, encara a câmera em close e dispara:
— Ah! A vaidade! Meu pecado favorito! 
*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália.

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