domingo, 30 de agosto de 2015

Crioulo gaúcho levanta multidões na principal competição da raça no país

Conheça um dos competidores que já ganhou sete vezes o torneio.
E um menino prodígio, que ganhou sua primeira prova aos dois anos.

Nélson AraújoEsteio, RS

 O crioulo é uma paixão no Rio Grande do Sul. Tanto que é um símbolo oficial do Estado. Representa o espírito gaúcho lavrado pelo rodeio dos ventos na região dos pampas, pelo frio das matas de araucária, nos alagados da imensa Lagoa dos Patos
O crioulo é descendente direto dos primeiros cavalos que os colonizadores europeus trouxeram para o sul da América do Sul, em mil quinhentos e pouco. Por séculos ficou restrito ao uso nas estâncias. Nas últimas décadas, vem se popularizando e se valorizando. Criou um próprio setor de negócios.
Os números apresentados pelo presidente da ABCCC – Associação Brasileira dos Criadores de Cavalo Crioulo, José Luiz Laitano, surpreendem. “Na última pesquisa sobre equinocultura no Brasil, realizada pela Esalq, tivemos a grata surpresa do número muito grande de geração de renda, ao redor de um bilhão e duzentos mil reais por ano, na indústria do cavalo crioulo no Brasil. Geração de quase 200 mil empregos diretos, o que mostra que essa indústria do cavalo, ela é uma indústria sem fumaça”, declara.
A paixão pelo crioulo trouxe o aprimoramento da raça, com cavalos selecionados mais habilidosos, mais bonitos, mais caros. O que antes mexia com o coração agora mexe com o bolso. Os leilões da raça crioula estão entre os mais movimentados do país.
Gonçalo Silva, que é da família pioneira em leilões rurais no Brasil, fala do quanto a crise atual afeta o mercado do crioulo. “A gente não pode dizer que não está refletindo. Está, porém o cavalo crioulo, de todas as atividades que a gente trabalha, foi o que menos sentiu. A gente tem feito um mapeamento entre 3.700 e 4.800 cavalos vendido por ano em leilões. A média de preço é bastante diversificada, entre 13 e 18 mil reais, mas temos cavalos de dois mil, três mil reais, de cavalos pra usuários”, avalia.
Originalmente, o crioulo foi selecionado para fazer longas viagens, mas desenvolveu outras habilidades, ganhou um perfil multitarefa. É um dos melhores pra se lidar com gado, por exemplo.
Multifuncional no campo, esportivo na cidade. O cavalo crioulo tem competições oficiais em 12 modalidades. Multidões se reúnem para assistir às provas, especialmente no sul do país.
No município de Esteio, próximo à Porto Alegre, o Globo Rural acompanhou a primeira classificatória da ABCCC  para o Freio de Ouro 2015, tradicional Bocal de Ouro, que aconteceu no mês de abril.
O que importa nessa fase é como o cavalo realiza a função. As provas simulam serviços que os animais fariam no campo, na lida com o gado.
No regulamento crioulo avalia-se não só a habilidade técnica do animal, os juízes investigam sob todos os ângulos igualmente o aspecto físico. A beleza do animal pesa no resultado final. A seleção, desde os anos 80, segue o critério, não basta ser bom de serviço, tem que ser bonito também.
No futebol, a principal disputa mundial é a Copa do Mundo, no automobilismo, a Fórmula 1, no cavalo crioulo, a principal competição no sul do Brasil, é o Freio de Ouro. O ginete Milton Castro conseguiu a façanha de conquistar sete prêmios. “É uma competição bem difícil, muito parelha, com muitos cavalos bons e ótimos ginetes, então parece fácil, mas não é”, diz.
Pra quem ganhou a fama de ser o Schumacher do cavalo crioulo, Milton surpreende no jeito calmo, até meio tímido no trato com os animais.
Na pista, Milton nunca exige tudo do cavalo, ele busca a regularidade. Não é por acaso ou por sorte que ele monte o cavalo com o qual compete. Produzir uma obra prima, como esse animal, é tarefa de uma vida.
José Antônio Anzanello é o idealizador da Tropa da Cabana Santa Edwiges, no município de São Lourenço do Sul, onde Milton Casro trabalha. Ele não é cavaleiro, nem era do ramo, mas com 15 anos ganhou um cavalo do pai e se apaixonou pelo assunto. Mergulhou na história do crioulo, na genética, na ciência dos cruzamentos e acabou desenvolvendo uma tropa a campo que já alcançou características de uma linhagem da raça. “Os animais de Santa Edwiges têm uma identidade”, afirma Anzanello.
Jose Antônio começou a selecionar na década de 80, mesma época em que começaram as provas do Freio de Ouro . E naquele critério de fazer um cavalo bonito e habilidoso, acrescentou outro: tem que ter boa índole também. “Temperamento é muito importante. A gente prefere animais calmos e inteligentes” e que quando solicitados responde. E isso é herdável, passa de pai para filho. E de mãe pra filho.
Libertador é o cavalo de apenas três anos e meio que leva Milton ao ouro de novo. Ele tira o primeiro lugar no Bocal de Ouro a classificatória mais importante para quem vai à final do Freio de Ouro.
Na tábua do alambrado, observando tudo, está um menino de sete anos que toma na veia essa cultura crioula.  Alan Coutinho foi campeão de laço. Ganhou o primeiro título quando tinha dois anos e oito meses e pelo desempenho nas pistas, há um consenso no Rio Grande do Sul de que o menino apendeu a laçar com o cordão umbilical.
Ele é filho de uma campeã de laço, Luciane Silva. “Eu parei de laçar com nove meses, quando estava gravida do Alan. Ele nasceu com nove meses e quinze dias. Daí os nossos amigos começaram a falar que não tem como o Alan não laçar bem já que treinava com o cordão umbilical”, brinca.
Tocar o cavalo crioulo, tocar os tentos do laço, é como respirar para o Alan. Ele tem bom desempenho na escola, joga videogame, mas já tem como referência o empenho, a dedicação ao treino. Pratica com a vaca mecânica, com o bezerro, com animais de grande porte e mostra fibra daqueles que não vão desistir. 
Alan vai construindo assim, os pilares que há mais de 40 anos sustentam a carreira do campeão Milton Castro, que no treino pega leve. “Procuro fazer com que os cavalos gostem daquilo que estão fazendo e não pegue medo de fazer aquilo. Trato o cavalo como se fosse um filho. Faço com que eles me respeitem, com que façam aquilo que eu tenho que fazer, mas não obrigo eles. Aquele cavalo que eu vejo que não que fazer, eu desisto e não tento mais, para não judiar dele”, explica.
O Freio de Ouro é uma competição muito parelha. São mais de cem finalistas, cavalos e éguas de criação apurada, treino dedicado, com beleza, temperamento e performance de alto nível. E com chance de reverter resultado na última hora. É sempre uma consagração
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