O menino Capistrano, forte de personalidade, perspicaz, detalhista, persistente, determinado e de inteligência exuberante, mas por vezes indisciplinado e displicente, iniciou os estudos e se alfabetizou no sítio em que nasceu. Aos sete anos, foi estudar em Fortaleza no Colégio de Educandos, dirigido pelo padre Antônio Braveza, e, posteriormente, no Ateneu Cearense, matriculando-se em 1865, com doze anos, no Seminário Episcopal do Ceará, de quem foi companheiro o jovem Cícero Romão Batista, do Crato. O espírito contestador e a curiosidade acerca dos fenômenos da vida e da ciência, do talentoso jovem, tiveram como consequência uma drástica reação por parte dos conservadores padres lazaristas da já conceituada instituição de ensino religioso, fundada no ano anterior: convidaram Capistrano a se retirar do seminário.
Em 1869, seu pai, João Honório de Abreu, admitido na Guarda Nacional como Primeiro Tenente do esquadrão de cavalaria de Maranguape, decidiu mandar o filho para Recife, a fim de fazer os estudos preparatórios no Colégio das Artes. O jovem estudante pretendia ingressar na Faculdade de Direito do Recife.
Mas, em 1871, reprovado nos exames preparatórios, Capistrano retornou ao Ceará. O estudante, segundo o biógrafo José Carlos Reis, “nada afeito a exames, fracassou nas tentativas de ingresso na Universidade e jamais chegou a obter um diploma de curso superior”.
Dos dezoito aos vinte anos de idade, Capistrano permaneceu no sítio dos pais, dividindo o tempo entre o lazer, a contemplação da natureza, as leituras e a redação de artigos para jornais de Fortaleza.
Foi um dos fundadores, em 1872, da Academia Francesa do Ceará, movimento intelectual de cunho filosófico e literário, de cultura e debates, progressista e anticlerical, que tinha por objetivo disseminar o positivismo no Ceará.
No fundo do coração, Capistrano procurava maturar a ideia e o sonho de sair da casa dos pais, “ganhar o mundo”, tornar-se independente e conquistar um bom emprego, com um salário condigno, que atendesse a suas necessidades e aos contidos anseios de independência e de liberdade.
Conseguiu com o amigo e escritor José de Alencar uma carta de recomendação para o jornalista e diretor de jornais Joaquim Serra, a fim de lhe franquear o acesso, na condição de estagiário, a algum órgão de imprensa da Corte. Viajou para a “Cidade Maravilhosa”, acalentando a esperança de um futuro promissor. Não demorou a conseguir, graças à “credencial” que levava consigo, um modesto emprego na prestigiosa Livraria Garnier. Começou a lecionar no Colégio Aquino. Passou a escrever artigos de crítica literária e história para o jornal Gazeta de Notícias.
Mas o destemido Capistrano de Abreu procurava delinear o seu próprio destino, buscando atividade mais compatível com sua vocação de estudioso de história e de pesquisador.
Em 1879, foi aprovado em concurso para trabalhar na Biblioteca Nacional. Segundo o historiador e ensaísta Francisco Iglesias, esta passagem pela principal biblioteca do país foi fundamental para o desenvolvimento de sua carreira, pois “na Biblioteca Nacional, Capistrano passou a lidar com livros raros, a ler o que só aí se encontrava, a lidar com documentos, aprendendo a lê-los e a interpretá-los convenientemente”.
Sempre preocupado em se dedicar à área de sua especialização, em 1883 conseguiu aprovação em concurso público e ingressou numa das mais importantes instituições de ensino do país na época, o Colégio Pedro II, onde passou a lecionar corografia e história.
Foi no exercício do magistério que elaborou a importante tese “O descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento no século XVI”, trabalho que viria a ser uma das bases do livro Capítulos de História Colonial, sua primeira obra de vulto. Como professor, Capistrano prosseguiu seus estudos, publicando artigos e traduções de obras europeias, especialmente alemãs, tornando-se, em 1887, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Em 1899, resolveu se demitir do Colégio Pedro II, desgostoso com a extinção da cadeira que lecionava. Passou a se dedicar exclusivamente a escrever para jornais e fazer pesquisas históricas, tornando-se, como autêntico autodidata, um dos mais importantes historiadores do Brasil.
Dedicou-se ao estudo de línguas e, apenas com o auxílio dos dicionários, aprendeu o inglês, o francês, o alemão, o italiano, o holandês e o sueco. Na década de 1890, começou a fazer estudos sistemáticos sobre as línguas e os costumes dos índios brasileiros, que o ocupariam até o fim da vida. As principais obras de Capistrano de Abreu são: O Necrológio de Varnhagen, Estudo sobre Raimundo da Rocha Lima, José de Alencar, A Língua dos Bacaeris, Capítulos de História Colonial 1500-1800, Dois Documentos sobre Caxinauás, Os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil, O Descobrimento do Brasil, Ensaios e Estudos, e Correspondência.
Duas situações, em épocas diferentes de sua vida, conseguiram revelar a personalidade forte e o caráter retilíneo de Capistrano de Abreu: o pedido de demissão do Colégio Pedro II e a recusa de tomar posse, depois de eleito, na Academia Brasileira de Letras, decepcionado com a traição de Rui Barbosa, um dos artífices da extinção da cadeira de corografia e história do Colégio Pedro II.
Devemos ressaltar que Capistrano, no estudo da história colonial brasileira, elaborou uma teoria da literatura nacional, baseada nos conceitos de clima, terra e raça, e promoveu a renovação dos métodos de investigação e interpretação da história, no Brasil.
Devem-se destacar também alguns aspectos que transformaram o “Capistrano de Maranguape” num dos ícones da historiografia brasileira: a sua fidelidade à verdade histórica, através da defesa intransigente da necessidade de divulgação das fontes históricas, com a consequente disponibilização dessas fontes a todos os que se dispusessem a estudar a história pátria, possibilitando o confronto das fontes com a narrativa dos textos produzidos pelos historiadores.
Capistrano se notabilizou, nos trabalhos e pesquisas, pela segurança da investigação, vasteza da informação, profundidade do saber e inteligência do assunto tratado.
No momento em que se comemoram seus 162 anos de nascimento, pela dimensão e importância que teve o grande historiador, pode-se afirmar com orgulho que um dos maiores historiadores brasileiros é Capistrano de Abreu de Maranguape, a terra em que nasceu, hoje conhecida como Maranguape de Capistrano de Abreu.
*Escritor, procurador fazendário e ex-vereador de Fortaleza
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