domingo, 15 de novembro de 2015

Ópera Lucia di Lammermoor

Nesta obra, a 'loucura' está vinculada às relações de poder da sociedade vigente.
As histórias de amor são atemporais e irrestritas a geografias. A nova montagem operística da Fundação Clóvis Salgado, Lucia di Lammermoor, ópera em 3 atos de Gaetano Donizetti, tem essa característica. A história de amor, loucura e poder dos clãs Ashton e Ravenswood, tendo ao centro o amor impossível da jovem e apaixonada Lucia, possui traços únicos. Ambientada originalmente na Escócia do século XVII, a trama é atualizada e ganha contornos contemporâneos e atemporais. Essa obra, que completa 180 anos em 2015, integra a lista de óperas da FCS, cuja primeira montagem foi realizada há 30 anos.
Lucia di Lammermoor, encenada pela primeira vez em 26 de setembro de 1835, inaugura um formato operístico diferenciado para sua época, apresentando inovações tanto na música quanto no libreto, de Salvadore Cammarano. O enredo é baseado no título The Bride of Lammermoor, de Walter Scott. Nas mãos de Donizetti a história ganha contornos dramáticos com o relacionamento entre membros das duas famílias inimigas, cujos filhos se apaixonam. A trama atinge seu ápice na célebre "ária da loucura", um dos mais sublimes momentos da tradição operística do bel canto, que desperta sempre enorme expectativa entre os apreciadores do canto lírico. Donizetti também presenteia o público, nesta ópera, com um memorável sexteto, que ocupa lugar de relevância no repertório operístico mundial.
Na FCS, o frescor da montagem é mantido pela regência de Silvio Viegas, futuro maestro titular da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais que tem reconhecido destaque na condução de óperas; pela dinâmica direção cênica de André Heller-Lopes constantemente destacado por seu talendo em direção operística, além dos trabalhos de Renato Theobaldo na cenografia; Sofía Di Nunzio nos figurinos e de Gonzalo Córdova na iluminação.
A montagem ganha vida nas vozes do trio de solistas responsáveis por interpretar uma das mais belas e difíceis composições de Donizetti: a soprano Jaquelina Livieri (Argentina), que estreia nos palcos brasileiros no papel de Lucia; Eric Herrero (SP) vivendo o jovem Edgardo de Ravenswood; e o barítono Leonardo Neiva (DF) encarnando Enrico Ashton, Lord di Lammermoor. Completam o elenco de solistas o baixo, Mauro Chantal (MG), no papel de Raimondo; o tenor Santiago Ballerini (Argentina), como Arturo; a mezzosoprano Aline Lobão (MG), no papel de Alisa; e o tenor Mateus Pompeu (MG), vivendo Normanno. As participações da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e do Coral Lírico de Minas Gerais completam o elenco de mais uma grande produção operística da Fundação Clóvis Salgado.
PARA COROAR O BEL CANTO
Responsável por compor melodias riquíssimas, que dialogam com a dramaticidade das histórias, Donizetti apresenta em Lucia di Lammermoor uma das maiores expressões da sua originalidade e genialidade musical. Para o maestro Silvio Viegas, que participa pela segunda vez de uma montagem dessa ópera, Donizetti foi responsável pela última grande ópera do Bel Canto, comum às montagens operísticas da primeira fase do romantismo italiano. Segundo ele, o Bel Canto é caracterizado por melodias opulentas que exigem dos intérpretes grande virtuosismo e uma excelente linha de canto.
A suntuosidade da obra poderá ser conferida na íntegra, já que a escolha do maestro foi manter todas as cenas, inclusive a primeira do terceiro ato durante o embate entre Enrico e Edgardo. "É muito raro para o público ter a oportunidade de assistir a essa cena, que tem uma importância muito grande por se tratar do confronto entre os antagonistas da trama", revela.
Para o regente, Lucia é o resultado de um grande encontro entre o drama e uma primorosa melodia. "Podemos identificar duas características para que a obra possa ser considerada uma obra prima. A música é maravilhosa e a transposição do drama para o palco é muito bem sucedida. A música é capaz de representar perfeitamente o que foi proposto pelo drama". Como exemplo, o maestro cita a cena da 'loucura', em que há um diálogo entre Lucia e a flauta, e o sexteto que encerra o segundo ato, em que cada voz expressa uma emoção diferente.
Para Silvio Viegas, a teatralidade de Lucia di Lammermoor também é responsável pelo sucesso da obra. Em sua escrita, Donizetti consegue estabelecer uma dinâmica de contrastes. "Como grande compositor, ele conhecia muito bem o palco e, por isso, conseguiu criar o drama de forma muito eficiente", conta.
Para o regente, Lucia di Lammermoor exige músicos e cantores capazes de alcançar as diversas propostas e variações estabelecidas por Donizetti na partitura. "Nesta montagem, temos um elenco extremamente maduro e competente. É um trio de jovens solistas e já despontam como grandes nomes do canto lírico nacional e internacional", completa. Para o maestro, um outro grande desafio dessa obra é equilibrar a escrita orquestral de Donizetti com as vozes dos solistas, sem cobri-las e valorizando-as.
Sobre amor, loucura e poder
A montagem da Fundação Clóvis Salgado busca atualizar a história de LUCIA DI LAMMERMOOR. O carioca Andre Heller-Lopes dirige pela primeira vez essa obra. A ideia é ambientar a trama em um período atemporal e não identificar a montagem em um lugar ou época. "O mais importante em Lucia são os sentimentos, não importa em que momento a obra se passa. O tema é universal e atual. Não há nenhuma perda ao traze-la para um período contemporâneo", diz Heller-Lopes. Com isso, a ópera apresentada em Belo horizonte busca concentrar-se na narrativa do trágico amor entre Lucia di Lammermoor e Edgardo de Ravenswood.
A contemporaneidade estará presente nos figurinos, no cenário e na cenografia. Por isso, o figurino de Sofia Di Nunzio 'brinca' com peças de diferentes décadas dos séculos XX e XXI. "Nada pertence a uma época definida, temos elementos dos anos 80 e 60", completa André. Para Heller-Lopes, LUCIA DI LAMMERMOOR é uma ópera de paixões ardentes, em que a sensualidade e a sexualidade são muito presentes e vários desejos conflitantes entram em embate. Essa sensualidade vai ser explorada com a inserção de diferentes objetos simbólicos.
A 'loucura', tema de uma das mais famosas árias de Lucia, também será amplamente abordada na montagem. Andre Heller-Lopes afirma que, analisando cuidadosamente o libreto, é possível perceber um mergulho lento no mundo da loucura. "Lucia é uma mulher perturbada desde o início e isso culmina com a cena da 'loucura', mas para ela tudo é muito lógico. As coisas acontecem por um motivo plausível", afirma.
O diretor ainda aponta um novo olhar para a Lucia, personagem principal que está aprisionada em um universo masculino e que, apesar de vítima, está longe de ser uma mulher passiva. "O que Lucia queria era romper com o sistema machista em que estava inserida. E até mesmo o amante quer prende-la ainda mais nessa situação.  É uma decepção, porque ela é uma mulher moderna, que é negada de seu livre-arbítrio", justifica.
A 'loucura' de Lucia está intimamente ligada às relações de poder daquela sociedade, em que a disputa política entre duas famílias, os Ashton e os Ravenswood, se sobrepõe aos anseios dos dois apaixonados. Nesse contexto, as necessidades financeiras dos Ashton agravam a situação e obrigam Lucia a aceitar um casamento arranjado a contragosto.
A sensação de aprisionamento e o diálogo com a 'loucura' estarão expressos também na cenografia. Composto de duas caixas móveis interligadas, uma maior e outra menor, o cenário busca dar uma sensação de claustrofobia, intensificado pelo jogo entre as caixas. As paredes, com aspecto envelhecido e enferrujado, tem portas e janelas. O cenário vai se modificando de acordo com o passar dos atos e os diferentes eventos. "Tudo é bem sintético, mas há uma grandiosidade, própria do Grande Teatro do Palácio das Artes", afirma o cenógrafo Renato Theobaldo. Além das caixas, escadas também fazem parte do cenário, servindo como uma analogia para a prisão em que Lucia está e a perspectiva de ser alcançada alguma saída para aquela sufocante situação.
O enredo 
Lucia di Lammermoor, narrada em três atos, revela o romance proibido entre Lucia Ashton di Lammermoor e Edgardo Ravenswood, jovens oriundos de clãs inimigas. Inspirada no livro The Bride of Lammermoor (A Noiva de Lammermoor), de Sir Walter Scott, e com libreto de Salvatore Cammarano, esse é considerado um dos trabalhos mais brilhantes de Donizetti.
A jovem Lucia vive um romance secreto com Edgardo Ravenswood. O relacionamento entre os jovens é intenso e, antes de partir em viagem à França, Edgardo troca aliança com Lucia, selando um compromisso amoroso. Entretanto, a situação financeira dos Lammermoor é decadente e, para tentar salvar sua família, o Lord Enrico arranja um casamento entre a irmã, Lucia, e Arturo Bucklaw, nobre possuidor de muitas posses.
Determinado a acabar com o relacionamento de Lucia e Edgardo, Enrico, com a ajuda de Normanno, Capitão do Castelo, consegue forjar uma carta de Edgardo, dizendo que já está casado e que esqueceu a jovem. Enrico fala do casamento arranjado para a irmã, que protesta, alegando já estar compromissada. Enrico mostra, então, a carta forjada de Edgardo. Abalada com a suposta traição do amado, Lucia aceita se casar com Arturo e assina o contrato de casamento. Na grande sala do Castelo dos Lammermoor, acontece a festa de núpcias de Lucia e Arturo.
Edgardo retorna da viagem e procura por sua amada. Enrico vai ao encontro do inimigo e ambos desembainham suas espadas. Então, Enrico mostra o contrato de casamento assinado. Desapontado, Edgardo devolve o anel de compromisso, amaldiçoando Lucia. Mas é desafiado por Enrico a duelarem no cemitério do Castelo de Ravenswood.
Durante a festa de casamento, o capelão Raimondo interrompe as comemorações anunciando que ouviu gritos no quarto do casal e que, ao entrar, encontrou Arturo – morto, e Lucia – atormentada, com um punhal nas mãos. Em meio à perplexidade dos convidados, Lucia surge no salão de festas, ouvindo a voz de Edgardo e rogando perdão pela traição. A jovem chegara à loucura. Enrico, tomado pelo remorso, foge do castelo.
No cemitério, enquanto aguarda por seu oponente, um canto fúnebre interrompe os pensamentos de Edgardo. Alguns convidados o avisam que Lucia enlouquecera, e explicam todas as intrigas de Enrico. Edgardo, desesperado, não acreditando no que lhe dizem, apunhala o próprio peito.
FICHA TÉCNICA
Direção musical e regência: Silvio Viegas
Maestro titular e preparação do Coral Lírico: Lincoln Andrade
Concepção e direção cênica: André Heller-Lopes
Cenários: Renato Theobaldo
Figurinos: Sofía Di Nunzio
Iluminação: Gonzalo Córdova
Direção de produção: Cláudia Malta
EVENTO
Ópera Lucia di Lammermoor, de Gaetano Donizetti
Data: 10, 16, 18, 20 e 22 de novembro
Horário: Domingo, às 19h, e demais dias da semana, às 20h
Local: Grande Teatro do Palácio das Artes | Av. Afonso Pena, 1537 – Centro/BH-MG
Duração: 2h40, com dois intervalos de 20 minutos (total 3h)
Classificação: 10 anos
Ingressos: R$ 50,00 (inteira) e R$ 25,00 (meia entrada)
Outras informações: (31) 3236-7400 / www.fcs.mg.gov.br
Fundação Clóvis Salgado

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