quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Os festivais de MPB ontem e hoje


O surgimento de grandes canções e intérpretes em um cenário repleto de censura e repressão.

Por Caroline Machado
Repórter DomTotal

Cumprindo a função de revelar intérpretes, compositores e instrumentistas, os festivais de música brasileira despertavam paixões no público em pleno período da ditadura militar, entre os anos de 1965 e 1985, proporcionando ao país um dos seus momentos mais férteis na música. O primeiro deles, o Festival Nacional de Música Popular Brasileira, promovido pela TV Excelsior, se realiza exatamente um ano depois do golpe militar, quando o país ainda não entendia direito o que tinha acontecido nem sabia o rumo que as coisas iriam tomar.
Vencido por “Arrastão” (Edu Lobo/Vinicius de Moraes), que consagraria definitivamente a figura de Elis Regina, o festival revela um jovem compositor, Edu Lobo, que também se tornaria um dos grandes nomes da MPB e chama a atenção de todo o país para o evento. Que não parou por ali. Foi apenas o pontapé inicial para a revelação e consolidação de vários artistas, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Geraldo Vandré e muitos outros.
Para o jornalista Eustáquio Trindade Neto, são vários os motivos que levaram os festivais a se firmarem como os maiores celeiros de músicas de vanguarda do Brasil. E um desses motivos era o fato de a MPB ter se tornado “um importante braço contestador da ditadura. Além de consolidar vários autores e apresentar uma obra de peso, com grande qualidade artística, os festivais chamavam a atenção do público que nem sempre sabia das ações da censura exercida pela polícia federal”, considera Trindade, que pôde viver essa época como parte integrante daquele público apaixonado. 
Como jornalista, Trindade foi editor de cultura no Diário da Tarde e no Jornal de Casa e, em Minas Gerais, foi jurado de vários festivais, em cidades como Itabira, Pedro Leopoldo e Sabará. Para ele, havia uma identificação muito grande, principalmente do público da classe média, com os compositores da época. “Eles eram bem jovens e se tornaram porta-vozes dos universitários, em seu discurso político. Todo mundo queria ser Chico Buarque”, analisa Trindade.
Festivais perdem sua força
Com o passar dos anos, os grandes festivais, transmitidos pelas emissoras da época (TV Excelsior, TV Record, TV Rio, Tupi e Rede Globo), foram perdendo sua força, e o principal motivo foi o surgimento do Ato Institucional nº 5, promulgado pelo general Costa e Silva, em 1968, que deu amplos poderes à censura da Polícia Federal, desestimulando compositores e emissoras. Na mesma época foi dado início às prisões e o exílio de vários artistas, como Caetano, Gil, Vandré e Chico Buarque.
Para Trindade, o que houve também foi “o inevitável desgaste da fórmula, além de outros fatores, como o medo das vaias, por exemplo, que fizeram com que muita gente importante se recusasse a participar. Nana Caymmi, Roberto Carlos, Hebe Camargo, Joyce, Sérgio Ricardo são alguns dos que receberam vaias do público. O Sérgio Ricardo, inclusive, foi o pivô do episódio em que, depois de uma vaia intensa, sem poder cantar, atirou o violão na plateia”, conta o jornalista.
Os festivais hoje
Com a realidade política atualmente vivida pelos brasileiros, com o aparecimento constante de escândalos de corrupção, surge um contexto sócio político propício às manifestações artísticas como as ocorridas entre os anos de 1965 e 1985. Alguns festivais acabaram surgindo e a internet tem sido o principal meio de divulgação e realização das competições. Porém, na avaliação de Trindade, os festivais de hoje já não se aplicam como mostra competitiva e muitas das vezes a música é o que menos importa.
“Acredito que mesmo esses festivais históricos, de certa forma, já vinham embalados numa fórmula ultrapassada, ao não permitir, por exemplo, que movimentos que não estivessem rigidamente catalogados no ‘gênero’ MPB, como a Jovem Guarda e até mesmo o samba, pudessem participar. De certa forma, isso ainda permanece. A fórmula mais legal, na minha opinião, seria reunir os diversos grupos para uma troca de experiências em que todos sairiam ganhando”, analisa o jornalista.
Reality shows de música
Com o fim da era dos festivais nos deparamos hoje com reality shows que buscam revelações da música brasileira através de competições musicais, tais como Fama, The Voice Brasil, SuperStar e Os Iluminados, transmitidos pela Rede Globo; Popstars, Ídolos e Esse Artista Sou Eu, transmitidos pelo SBT. Mas os reality shows são a versão moderna dos Festivais? Na opinião de Trindade, não.
Para o jornalista alguns programas chegaram a revelar gente muito boa, mas que não chegou fazer carreira, “pelo menos, não como merece. Os reality shows misturam desde gente que cozinha a gente que quer emagrecer, sobreviver numa fazenda limpando chiqueiro ou quer fazer carreira como artista, como se tudo isso fosse uma coisa só. Podem, eventualmente, revelar alguém, talvez como intérprete, mas não como compositores. E são muito elitistas também”, conclui Trindade.
Assista ao vídeo de Sérgio Ricardo atirando seu violão na plateia durante uma apresentação:


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Redação DomTotal

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