segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

As questões da ideologia

Ainda o bate-boca no Leblon.
A teoria na prática é bem diferente.
Por José Couto Nogueira*
Não se insulta um senhor de 70 anos, ainda por cima herói nacional e artista de gabarito mundial? Ou, então, é justo que se abra os olhos aos que usam de sua influência para defender um Governo falido?
Deixem-me começar por uma postura imprópria de um jornalista, que é falar de mim mesmo. Sou português, mas considero-me brasileiro. Adoro este país onde morei mais de dez anos, tive duas esposas, uma filha e netas brasileiras, além de outros familiares. Tenho o privilégio de ter muitos amigos do peito brasileiros. E acompanho dia a dia o que se passa na Pátria Amada.
Dito isto, vi o vídeo da troca áspera de palavras que ocorreu no Rio de Janeiro entre Chico Buarque e um grupo de pessoas – não propriamente “populares anónimos” mas pessoas conhecidas ou filhas de pessoas conhecidas.
Li também incontáveis comentários nas redes sociais e algumas colunas de jornal, ou insultando o Chico, ou criticando os que o abordaram de modo desabrido. Em nenhum desses textos vi uma análise da situação dele e de outros ícons brasileiros, grandes artistas e figuras públicas, que apoiam o PT até hoje. Acho de total justiça que se considere o que segue.
Durante a Ditadura (cujos anos finais ainda apanhei em São Paulo) era normal, natural e de praxe ser de esquerda e pró-PT, ou pelo menos pró-PMDB. Os artistas, como Chico, Caetano, Gil, e tantos outros, foram perseguidos, proibidos, interrogados e deportados. Todo o mundo os apreciava também por essa postura.
Talvez seja altura de lembrar, para os esquecidos ou para os mais novos, que o Governo militar cerceava todas as liberdades civis, perseguia desabridamente todos os que tinham ideias diferentes, torturava e assassinava os opositores activos. Verdade seja dita, porque é um caso inédito no mundo, saiu pelo seu próprio pé. Estava decadente, mas suficientemente lúcido para ver que era mais problema do que solução.
A alegria das primeiras eleições democráticas foi extraordinária. E a esperança, imensa. Depois, em 1989, a eleição era para ser ganha pelo PT. Foram as manipulações da Globo que deram a vitória a um desconhecido, Fernando Collor de Mello, que imediatamente instaurou um programa económico surreal. Mas deixemos essas histórias para a História.
Os tempos mudaram, o muro de Berlim caiu, revelou-se o lado tenebroso do comunismo. Essas figuras públicas de que falamos, presas às suas bandeiras, acreditaram, como a maioria da população acreditou e o provou pelo voto, que o PT ia proporcionar os amanhãs que cantam. Que ia acabar com a corrupção institucionalizada e praticar a governação social que daria oportunidades aos mais pobres.
Agora vemos, sabemos, que infelizmente não foi assim.
O PT não só defraudou as esperanças de um país mais justo e igualitário, com melhores serviços públicos, como mostrou ser um bando de ladrões. Até atraiu para si os ladrões dos outros partidos, numa imensa coligação de fraude. A corrupção não só se institucionalizou ainda mais, como atingiu proporções nunca vistas.
Figuras como o Chico, saboreando pela primeira vez as benesses de estar do lado do poder (subsídios, apoios, etc.) não fizeram a crítica e autocrítica necessárias. Como tantos outros, vivem presos aos ideais dum passado que não cumpriu o futuro. Custa-lhes admitir que afinal foi tudo um grande engano e, a verdade acima de todas, que o poder é corruptor, sejam quais forem os ideais que levam a ele.
(O único, entre os que conheço, que manteve a lucidez e denunciou a situação foi o Fernando Gabeira. Vi um documentário em que ele e outros admitem, com toda a candura, que não lutavam pela Democracia; lutavam para substituir uma ditadura por outra. Honra lhes seja feita porque, se errar é humano, reconhecer os erros é sobre-humano.)
Para os outros, como o Chico, parece que não há nada a fazer. O ideal continua intacto, apesar da realidade ter mostrado que a teoria na prática é bem diferente. Temos pena, mas podemos compreender. E deixá-los em paz. Apreciá-los como artistas, que é o que têm para nos dar, e esquecer o resto. Já não são eles que irão fazer a diferença no futuro.
*O jornalista José Couto Nogueira, nascido em Lisboa, tem longa carreira feita dos dois lados do Atlântico. No Brasil foi chefe de redação da Vogue, redator da Status, colunista da Playboy e diretor da Around/AZ. Em Nova Iorque foi correspondente do Estado de São Paulo e da Bizz. Tem três romances publicados em Portugal.

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