domingo, 20 de dezembro de 2015

Gelli, dono dos segredos da Itália

O fascista era conhecido por suas "mil caras".
Licio Gelli, fascista, espião, poeta, manipulador, chantagista e amigo dos militares golpistas da América Latina, morreu levando consigo muitos segredos da história recente da Itália.
O homem, que começou sua carreira como simples funcionário de uma fábrica de colchões da cidade de Arezzo, voluntário em 1936 com os fascistas italianos na Guerra Civil espanhola e agente dos serviços secretos, era conhecido por suas "mil caras".
Nascido em Pistoia (norte da Itália), em 21 de abril de 1919, foi líder durante sua juventude do Partido Nacional Fascista em sua cidade natal, onde protagonizou uma série de operações à frente de grupos fascistas.
O "Mestre Venerável", nome que ganhou na maçonaria, foi uma das figuras mais controversas da história recente da Itália e com relações-chave em países como Argentina e Uruguai, com o objetivo de deter a chegada do comunismo.
Este homem, que esteve envolvido em quase todos os escândalos políticos e financeiros que abalaram a Itália nos anos 1980 e 1990, também participou de meia dúzia de tentativas de golpe de estado, tanto na Itália como na América Latina.
Poeta na sequência de Gabrielle D'Annunzio, Gelli, que morreu aos 96 anos em sua mansão na região da Toscana, onde estava recluso em prisão domiciliar, foi admirador e amigo de Juan Domingo Perón e de outro anticomunista ferrenho, o também argentino José López Rega, fundador da organização paramilitar de extrema-direita Triple A (Aliança Comunista Argentina).

O marionetista sinistro
Com sua morte, desaparece um dos personagens mais sombrios e misteriosos da Itália, especialista em manipular, pela chantagem, todos os detentores do poder.
Seu nome apareceu pela primeira vez graças a juízes de Milão que investigavam, nos anos 1980, o sistema de subornos de empresas e políticos, mais conhecido como o "escândalo de Tangentópolis".
O "marionetista sinistro", como o chamava a imprensa, foi também o criador de uma estrutura paramilitar secreta de nome Gladio, com o objetivo de impedir que os comunistas italianos chegassem ao poder.
O poderoso líder da P2 foi condenado pela Justiça por se apropriar de segredos de Estado, caluniar juízes e tentar desviar as investigações do atentado à estação de Bolonha em 1980.

Conexões com as ditaduras da América do Sul
Suas conexões na Argentina transformaram-no em amigo da junta militar que deu o golpe de Estado em 1976 - particularmente, o almirante Eduardo Massera e o general Carlos Suárez Mason. Este último o conectaria aos altos círculos da ditadura do Uruguai, onde seu sócio Umberto Ortolani havia sido constituído representante de sua lógica e seus negócios.
Em 1981, após a ressoante quebra do Banco Ambrosiano e a morte do banqueiro Roberto Calvi, encontrado enforcado sob uma ponte de Londres em 1982, os italianos descobriram uma lista com os 962 nomes pertencentes à P2: uma influente rede de políticos, juízes, empresários, jornalistas, agentes dos serviços secretos e militares.
Na lista, figuravam cerca de 20 argentinos, assim como vários funcionários ligados ao Vaticano, chefes do Banco do Vaticano, ou do Instituto para as Obras de Religião, o coração das finanças vaticanas.
Parte dos arquivos da P2 foi encontrada no Uruguai, mas seu conteúdo ainda não foi revelado.

Fugas e detenções
Detido em 1982 em Genebra, Gelli fugiu de sua prisão na Suíça e se entregou em setembro de 1987 às autoridades desse país, que se comprometeram a extraditá-lo, mas somente por motivos de delitos financeiros.
Em 1992, foi condenado na Itália a 18 anos e seis meses de prisão por quebra e fraude do Banco Ambrosiano, então maior banco privado da península.
Sua sentença foi reduzida por apelação. Dois anos mais tarde, recebeu uma acusação por tentativa de desestabilização, mas foi condenado a 17 anos por difamação, delitos financeiros e roubo de documentos secretos.
Em abril de 1998, quando a Suprema Corte confirmou sua sentença de 12 anos de prisão, Gelli cumpria um regime semiaberto em sua cidade em Arezzo, na Toscana, de onde fugiu para ser detido mais uma vez em Cannes (França), quatro meses depois.
Desde então e até sua morte, viveu sob regime domiciliar na Toscana, onde a polícia italiana descobriu, em 1982, durante uma revista, 179 barras de ouro com um peso total de 168kg. A origem da valiosa carga nunca foi estabelecida com exatidão.
AFP

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