domingo, 20 de dezembro de 2015

Nanni Moretti ultrapassa autobiografia

Moretti narra as mil neuroses de uma diretora de cinema de sucesso que entra em crise pessoal.
Por Neusa Barbosa
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 2001 com "O Quarto do Filho", o cineasta italiano Nanni Moretti acertou a mão no novo drama "Mia Madre", cujo tema central está na crise de uma diretora de cinema, Margherita (Margherita Buy), angustiada pela iminente perda da mãe e pela produção de um filme complicado, especialmente pelas confusões causadas por seu vaidoso ator norte-americano, Barry Huggins (John Turturro).
Diretor experiente e politizado, Moretti, coautor do roteiro com Francesco Piccolo e Valia Santella, insere reflexões sobre a crise italiana do emprego, através do tema do filme da diretora na ficção, que se intitula Noi Siamo Qui (Nós Estamos Aqui). Tudo bastante sutil, sem didatismo, funcionando com mais eficiência.
Quem conhecer a obra do diretor, em que se destacam também "Caro Diário" (1993), "O Crocodilo" (2006) e "Habemus Papam" (2011), perceberá rapidamente o quanto este novo filme é autobiográfico – embora Moretti tenha se dado ao trabalho de mudar o sexo da protagonista, uma mulher, e reservar para si mesmo um papel secundário como Giovanni, irmão de Margherita. A própria morte da mãe é recente na vida dele, ocorrida quando o diretor finalizava Habemus Papam, há quatro anos.
No mais, crises familiares, choques de gerações, os desafios de um diretor de cinema no set são sempre comuns ao universo dos filmes de Moretti. A boa notícia é que em "Mia Madre" esse autoreferenciamento não produz excessos de ego, permitindo, ao contrário, que ele atinja um ponto alto no comando desta narrativa como há algum tempo não conseguia.
Ao alternar sequências realistas e oníricas (como quando Margherita vê os membros de sua família numa fila de cinema), dramáticas e cômicas, ele nunca perde o ritmo e a consistência.
Boa parte desta liga deve-se à extraordinária sutileza da atriz Margherita Buy, que soma todos esses conflitos dentro e fora do set do filme, vivendo uma mulher em busca de ordem e controle – e nunca os encontra, empurrada pelos turbilhões da vida real.
Analisando em paralelo dilemas pessoais e sociais bem contemporâneos envolvendo várias gerações – através também da filha adolescente de Margherita, Livia (Beatrice Mancini) -, a trama encontra um bem-vindo alívio cômico nas entradas histriônicas e egocêntricas de Barry, que se gaba de ter sido o ator favorito de Stanley Kubrick e dá uma de "prima donna" em qualquer oportunidade, oferecendo uma oportunidade de ouro a Turturro de expor sua veia humorística.
Além disso, "Mia Madre" nunca se esquiva de filtrar uma autoironia ao próprio "métier", ao meio cinematográfico – como numa fala em que se diz que os diretores "são idiotas a quem se dá o poder de fazer tudo."
É nessa irreverência melancólica e acidamente cínica que Moretti se diferencia de Woody Allen, a quem comumente é comparado, e também do compatriota Federico Fellini – embora não seja exagero dizer que "Mia Madre" é o "Oito e Meio" de Moretti, guardadas as devidas proporções.
Até porque, ao transformar seu alter ego numa mulher, o diretor acrescentou à história camadas de discussão que o filme não teria sem esse detalhe, abrindo espaço para um exame das relações de poder quando a chefe é mulher – e como a sociedade olha para ela nessa situação.
Reuters

Nenhum comentário:

Postar um comentário