sexta-feira, 4 de março de 2016

A história de uma crônica

Os mais velhos se lembrarão de alguns personagens e citações.
Por Fernando Fabbrini
Em março de 1999 eu trabalhava como consultor de comunicação de uma grande empresa. Com a proximidade do Dia Internacional da Mulher, a turma pediu-me uma crônica especial para ser publicada no jornal interno deles. Aproveitei a chance para zoar das mulheres (com carinho, claro); revirei notícias da época e diverti-me escrevendo o pequeno texto “Revolução”.
Tempos depois, surpresa: eis que postam na internet a minha história, copiada e colada, exata, com todas as vírgulas e “assinada” – de mentira, claro – por um grande cronista brasileiro. Trata-se de um hábito de desocupados que às vezes ainda se repete: pega-se um texto desconhecido (ou da própria lavra), simula-se a autoria de alguém famoso e dispara-se a fraude na internet. Fiquei chateado, mas era difícil reivindicar direitos naquele ambiente virtual. Fazendo-me passar mais raiva, recebi-a várias vezes depois, de outras fontes – sempre “assinada” por “L.F. Veríssimo”, “Arnaldo Jabor”, “Ruy Castro” e outros mestres da crônica.
Um dia, telefona-me um amigo que acompanhara o caso:
- Um cara publicou sua crônica, em livro, junto com outras. Segundo ele, sua história virou “uma piada que circula na internet”.
Corri até a livraria e comprovei. Lá estava a minha grande obra, copiada e colada, sem tirar nem pôr, perdida em meio a piadinhas idiotas e escatológicas. Foi fácil localizar o responsável pela coletânea. Liguei para ele no Rio, dentro do mais elevado espírito de conciliação, alertando-o: “essa é minha, rapaz.” Para meu espanto, o cara foi grosso e encerrou o telefonema dizendo-me para “entender-me diretamente com a editora”. Confesso que não queria briga, mas sua reação me deixou pê da vida. Ah, é? De posse agora de uma prova física, procurei minha amiga advogada e entreguei a ela o problema.
- Mas... Nunca tive um caso assim, na área de direito autoral...
- Será seu primeiro! E confio no seu taco! – respondi-lhe. Ela montou um belo processo contra o autor e a editora. Ganhamos em todas as instâncias.  
Toda esta conversa foi apenas para republicar “Revolução” aqui no DOM Total e constatar como o mundo mudou – mesmo. Os mais velhos se lembrarão de alguns personagens e citações. Os mais novos – assim espero – poderão curti-la pela primeira vez.

Revolução
-  Foi assim que tudo começou, meu filho. Planejaram o negócio discretamente para que não notássemos. Primeiro, elas pediram igualdade entre os sexos. Os homens, bobos, nem deram muita bola pra isso na ocasião. Parecia brincadeira. Pouco a pouco, elas conquistaram cargos estratégicos – diretoras de orçamento, chefes de gabinete, ministra disso e daquilo.
- E aí, papai?
- Ah! Os homens foram ingênuos, muito ingênuos... Enquanto elas conversavam horas a fio ao telefone, eles pensavam que o assunto fosse telenovela. Triste engano! De fato, era a rebelião se expandindo nos inocentes intervalos comerciais. “Oi querida”, por exemplo, era a senha que identificava as líderes. “Celulite” eram as células que formavam a Organização. Quando queriam se referir aos maridos, diziam em código “o regime”.
- E vocês, não percebiam nada?
- Ficávamos jogando futebol no clube, despreocupados. E o que é pior: continuávamos a ajudá-las quando pediam. Carregar malas nos aeroportos, consertar torneiras, ceder a vez nos naufrágios... Essas coisas de homem.
- Aí veio o golpe mundial...
- Sim, o Golpe. O estopim foi o episódio Hillary-Lewinsky, uma farsa. Tudo armado para desmoralizar o homem mais poderoso do mundo. Pegaram-no pelo ponto fraco, coitado. Já lhe contei, não? A esposa e a estagiária, que na TV posavam de rivais, eram, no fundo, cúmplices de uma trama diabólica. O pobre presidente... Como era mesmo o nome dele? Clinton, eu acho. Desculpe-me, filho, já me esqueci...
- Tudo bem, papai. Não tem importância. Continue...
- Naquela manhã, a Casa Branca amanheceu pintada de rosa. Era o sinal que as mulheres do mundo inteiro aguardavam. A rebelião tinha sido vitoriosa! Então, elas assumiram o poder em todo o planeta. Aquela torre do relógio de Londres chamava-se Big-Ben, e não Big-Betty como agora... Só os homens disputavam a Copa Mundial de Rugby, sabia?
- Puxa...
- Dia de liquidação em shopping não era feriado... O resto você já sabe. Instituíram o Robô Troca-Pneu como equipamento obrigatório de todos os carros... Criaram a Lei do Já-pra-Casa, proibindo os homens de tomarem cerveja depois das oito... E, é claro, a terrível Semana da TPM, todo mês...
- Sim, a TPM... A Temporada Provável de Mísseis... É quando elas ficam irritadíssimas e o mundo corre perigo de confronto nuclear... Sinto um frio na barriga só de pensar, pai!
- Shhhh...! Escutei barulho de carro chegando. Disfarça e continua picando as batatas, o jantar está atrasado. 
*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.

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