quinta-feira, 28 de abril de 2016

Da dificuldade de abstração

Um drone sobrevoa o seu sossego lembrando que o tempo passa e as crises não cessam.
Pequenos e agradáveis sininhos budistas trazem seu som quando o vento bate neles.
Pequenos e agradáveis sininhos budistas trazem seu som quando o vento bate neles.
Por Ricardo Soares*
Suponha que você esteja deitado em uma rede com três bons livros ao seu lado numa casa confortável e silenciosa num bairro afastado de uma cidade do interior de Minas para fugir dos tempos perversos que vivemos. O tempo é bom, temperatura amena e salubre, suas dívidas continuam correndo , o dinheiro é pouco mas ainda dá pra sobreviver e pagar os seus compromissos. No entanto não há paz interior nem exterior. Seu corpo se ressente de um sono tranquilo, sua garganta seca não pela sede mas porque você anda bebendo demais talvez para entorpecer as desilusões com perdão da veiazinha dramática da frase.
Não muito longe de onde você está passa a Br-040 caminho de ida e de volta de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro. Os caminhões passam cheios, abastecem a região cobrando caro pois o preço do diesel está um absurdo. E, súbito, você pensa que pode haver crise de abastecimento além de todas as crises que vivemos amarradas num mesmo infeliz pacote de desalentos.
Você tenta se esticar melhor na rede para ler uma frase de Stephen King ou Leonardo Padura mas um drone inexistente e soturno sobrevoa o seu frágil sossego lembrando que o tempo passa e as crises não cessam, o país está a deriva  e até o gosto pela seleção brasileira de futebol parece que nos foi tirado.
Pequenos e agradáveis sininhos budistas trazem seu som quando o vento bate neles. Deveriam combinar melhor com tempos melhores. Mas esses são tempos pesados como chumbo, nebulosos e fumacentos como fogo ateado em capim colonhão.  Aí você se dá conta que poderia estar num apartamento ao lado do Minhocão em São Paulo , numa casinha que dá fundos para a avenida Cristiano Machado em Belo Horizonte . Aí sim seria "osso" manter a abstração em meio ao barulho dos veículos em constante movimento.

Mas você está quase na roça, o horizonte até lhe mostra um grande morro com árvores , mato alto e bois pastando. Mas você tem dificuldade de abstração. Porque todos os dias estão lhe usurpando não só seus sonhos mas o seu dinheiro, a sua paciência, a sua tolerância e ,pior , a sua esperança. Isso faz com que apostemos numa ideia ainda mais louca mas necessária na atual conjuntura. A construção de um imenso campo de pouso para Ovnis. Talvez a  chance de embarcar neles lhe seja concedida na medida que você é o construtor do campo de pouso. Fará valer junto a eles essa vantagem. E talvez aprenda com eles a capacidade de se abstrair de novo porque o país onde vivemos está muito próximo de nos tornar para sempre prisioneiros de nossa própria  "desgracenta"  realidade. A desgraça que cavamos com nossas próprias mãos ao darmos tão pouca importância à história, a educação e a civilidade.
*Ricardo Soares é escritor, diretor de tv e jornalista. Autor de sete livros e diretor de 12 documentários escreve às segundas e quintas no DOM TOTAL.

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