José Olímpio de Sousa Araújo*
Porque o Tejo não é o rio que passa pela minha aldeia (Fernando Pessoa).
Sou do pacato, bucólico e centenário Itapebussu (deveria ser com Ç, mas não vamos brigar por isso), rápida encruzilhada ao pé da Serra do Lajedo. Nesta serra, uma encosta do Maciço do Baturité, há (ainda hei de conhecê-lo de pertinho), enorme lajedo nesta parte, do lado virado para o lugar. Daí o nome inicial (Cruz do Lajedo), mudado depois para o atual, em tupi-guarani, mas guardando a mesma referência (’pedra chata e grande’).
Terra de vaquejada, dos irmãos forrozeiros Cirino e Cirano e do escrivão do Registro Civil, Zeca Henrique, meu pai. Ainda — e até quando? — distrito de Maranguape...
Nasci em 9 de fevereiro de 1951, numa prodigiosa madrugada – creio firmemente nisso. Num desses festejados invernos nos nossos sertões. Sertões tão maltratados pela indústria da seca, cujos mentores têm seus nomes e estátuas ostentados nos logradouros públicos e são estudados nos livros de História do Brasil!... Provenho de família importante, sim senhores, fundadora do povoado; já encontrei, todavia, os recursos financeiros de meus pais seriamente combalidos. E tome dificuldade! Na Infância e adolescência. Dificuldade abalizada pela forte deficiência visual, herdada de meu pai (o qual me legou muitos outros traços assaz positivos e de que me ufano!); e uma inibição, um esconder-me, um certo acanhamento, a acompanhar-me até hoje.
Devo meus primeiros anos escolares e o apetite pelo estudo, além do DNA paterno, às preliminares, mas seguras orientações de minha mãe — de baixo nível escolar, compensado por grande sensibilidade pedagógica —, e às queridas professoras Mazinha, Maria Vieira (limoeirense), Ivone (minha prima) e Salete Franco. São de Itapebussu, também, minhas primeiras travessuras e fantasias, minha iniciação na fé de Cristo — sob as bênçãos do Arcanjo São Miguel.
Encantava-me o movimento de carros, que buscavam as bênçãos de São Francisco das Chagas de Canindé, em grandes romarias. Por ali passava a BR 020 (depois desviada para iniciar abraçada à BR-222, mas ainda cortando o futuro município da pedra chata e grande, à altura da Lagoa do Juvenal). Naquele tempo, os viajantes faziam rápida parada em Itapebussu. Ali contavam com o refrigerante ou café com bolo, o doce e a água mineral no bar do Zé Almir. Ou no Paulo Franco (este de humor afinado a divertir os clientes com suas inocentes piadas. E tinha ainda o estabelecimento do meu primo Zé Campos, sempre com muitas histórias do lugar, também sem cobrar couvert. Que saudade da bolacha Ideal, do pão Baiano, do pão recife, na padaria do Nozinho...
E o que dizer dos banhos na cachoeirinha do rio, minha primeira e inesquecível praia? Um riozinho estreito, todavia majestoso, deslumbrante, para mim, para as crianças e jovens de minha época. O Tejo da minha aldeia. Um dia (ainda adolescente), ao recordar a infância, saíram-me estes molhados e pueris versinhos:
Itapebuçu
Corre, rio pequenino,
Que desce daquela serra;
Ora largo, ora fino,
É o rio da minha terra.
Brinquei, rio pequenino,
Nas tuas revoltas águas.
Mas cresci, e o destino
Me deu uma grande mágoa:
Saí, rio pequenino,
Num mês de tua estiagem;
Qual saudoso peregrino,
Vim morar noutras paragens.
Tal qual a separação
Do grande Humberto de Campos;
Mas seu cajueiro, então
Crescido, frutos lhe manda.
Eu, que, aí, com tantos,
saborosos frutos teus,
me fartava... Cá, vou lutando,
Me permita o Senhor Deus.
Curimatãs, carás, bodós...
Piabas assadas no espeto...
Na areia e n’água, meninos que só...
Dourados banhos – o mor folguedo!
“Aos domingos... missa na matriz...”
No setembro, a vaquejada...
Como teu filho feliz,
Sonho: Itapebuçu, bela cidade!...
*Coautor dos livros “Desenvolvendo a habilidade de escrever” e “Ortografia Atualizada” / Secretário da Academia Metropolitana de Fortaleza.
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