Conto viaja pelas paisagens da Amazônia com sensações que lembra o universo
Em que canto navego depois de tantos mares? O que afinal procuro quando a vida me cobra os minutos?
Por Ricardo Soares *
Uma chata, uma barcaça desengonçada, sobe o Rio Amazonas contra a correnteza. Na verdade não dou conta de que, apesar de parecer ser uma chata tropical, ela sobe é contra a correnteza do rio Sena, atravessando Paris. Percebo isso súbito quando ao tentar espantar uma gaivota suja de óleo dou de cara com a catedral de Notre Dame.
A gaivota se espanta e "vaza". Momentos depois volta acompanhada de várias amigas enfezadas que passam a defecar ferozmente em mim tentando me expulsar das visões idilicas de Paris e me devolver para o meio do Rio Amazonas , quase chegando a Macapá, pois vejo de longe a fortaleza de São José apontando seus canhões para o infinito.
Na verdade tenho muito calor e já não sei se é febre ou a elevada temperatura e elevadíssima umidade relativa do ar. Desço da barcaça, ouço sons histéricos de "zouk love", peço cerveja gelada e camarões no vapor e vou dormir suado num hotel barato enquanto Paris e Macapá se misturam no meu sangue e me recordo do Tratado das Tordesilhas.
Em que canto do mundo navego depois de tantos mares? O que afinal procuro quando sinto que o placar está ficando apertado e a vida me cobra os minutos? Acendo pois um cigarro forte que já não fumo. Tento ajustar fusos horários à intensidade do sol nesse momento. Em vão. A suja piscina do hotel está vazia. Me trazem suco de abacaxi muito doce. Minha boca arde, meu coração está aos pulos. Não estou delirando mas tenho certeza que ouço o apito de um trem que vai me levar para a Serra do Navio. Lá colherei malárias, mulheres fáceis, algum minério. E estarei depois, sempre, com um pé em cada lado da linha do Equador tentando me enquadrar nos hemisférios e nos rios que cortaram minha vida.
* Ricardo Soares é escritor.
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