quinta-feira, 5 de maio de 2016

O dinheiro deve servir, e não governar

A sociedade não pode mais continuar anestesiada em sua capacidade de pensar.
Segundo o Papa Francisco, “a primeira tarefa é pôr a economia ao serviço dos povos.
Segundo o Papa Francisco, “a primeira tarefa é pôr a economia ao serviço dos povos.
Por Élio Gasda*
Nestes tempos inglórios para expressões dissidentes das opiniões dominantes, somos desafiados a pensar de maneira distinta. A imaginação sequestrada pela mídia está provocando um vazio de ideias. A sociedade não pode mais continuar anestesiada em sua capacidade de pensar. No auge de uma das maiores turbulências políticas de consequências dramáticas para o povo, a Igreja, inspirada pelo Reino de Deus, nos exorta a manter a coerência e a fidelidade naquilo que é essencial: a defesa da dignidade humana, a justiça, o bem comum, a solidariedade com os pobres. 
De raiz grega, a palavra economia (oikos+nomos) significa a arte de legislar e administrar a casa para garantir a sobrevivência material. Para isso, em expressão de Bento XVI, “toda a economia tem necessidade de uma ética amiga da pessoa” (Caritas in Veritate, 45). As decisões econômicas, tanto na ordem dos fins quanto na ordem dos meios, supõem a ética. Leonel Robbins, um dos fundadores das ciências econômicas, reconhece que a economia opera com fatos empíricos suscetíveis de comprovação; a ética, com valores e obrigações. A economia por si só não tem a solução para nenhum dos problemas importantes da vida. Economia, Ética e Política são complementares. O fim último da economia não está na economia. Ela é um instrumento a serviço algo maior: a dignidade humana e o bem comum. 
A fé aponta novos horizontes. O cristianismo é uma religião ética. E “a ética leva a Deus que espera uma resposta comprometida que está fora das categorias do mercado” (Evangelii Gaudium, n. 54). Portanto, continua o Papa Francisco, devemos dizer “não a um dinheiro que governa em vez de servir: Por detrás desta atitude, escondem-se a rejeição da ética e a recusa de Deus”. Urge pensar outras formas de organização econômica, se “queremos converter o modelo de desenvolvimento global. Isto implica refletir sobre o sentido da economia e dos seus objetivos para corrigir as suas disfunções” (Laudato si, n. 194). 
A dignidade humana e o bem comum são elementos éticos inspiradores para a elaboração, concretização e análise de modelos econômicos: “Com efeito, a pessoa humana é protagonista, o centro e o fim de toda a vida econômico-social” (Gaudium et spes, n. 63). A melhor ordem econômica é aquela que promove a dignidade humana. Os problemas não se resolvem apenas com o aumento dos lucros, do consumo e do PIB. São apenas meios em vista de um bem maior, o bem comum. Pessoa alguma se realiza plenamente prescindindo dos outros (Gaudium et spes, n. 16). 
A dignidade humana e o bem comum estabelecem como prioridades as necessidades dos pobres sobre os desejos e caprichos dos ricos; os direitos dos trabalhadores sobre o aumento dos lucros. Na hierarquia de necessidades, as elementares são as mais importantes, pois são direitos humanos.
Portanto, segundo o Papa Francisco, “a primeira tarefa é pôr a economia ao serviço dos povos. A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas administração da casa comum. Isto implica cuidar da casa e distribuir adequadamente os bens entre todos. A justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano não é filantropia. É dever moral. Para os cristãos, o encargo é ainda mais forte: é mandamento. Devolver aos pobres o que lhes pertence” (Encontro com os movimentos populares, Bolívia: 09/07/2015). 
Para a Igreja, como advogada da justiça e defensora dos pobres, a maior prova do fracasso de um modelo econômico é o abandono dos vulneráveis, dos empobrecidos, dos indefesos. Sempre são eles as grandes vítimas das crises políticas e econômicas. Não perguntar pelas consequências de uma política econômica orquestrada por uma plutocracia corrupta na vida dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, dos estudantes, dos enfermos, dos pequenos agricultores, dos povos, indígenas, dos sem casa, enfim, de todos os pobres, é dar as costas para a maioria da população. É dar de ombros à dignidade humana e ao bem comum. “Todo aquele que não pratica a justiça não é de Deus, nem aquele que não ama a seu irmão” (1 Jo 3,10b)
* Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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