quarta-feira, 8 de junho de 2016

A culpa como mantenedora da exploração

A culpa se torna assim forte aliada para o capital no processo de alienação no trabalho.
Os trabalhadores se veem enredados em um mundo em que não se quer estar.
Os trabalhadores se veem enredados em um mundo em que não se quer estar.
Por Fabrício Veliq*
A maioria das pessoas, de alguma forma, se relaciona com seu trabalho, uma vez que é próprio de nós nos relacionarmos com aquilo que fazemos. Essa relação pode ser conflituosa, amigável, penosa, ou qualquer outro adjetivo que se queira dar à essa relação.
Contudo, um dos aspectos que me chama a atenção é a relação alienante em relação ao trabalho. 
Marx já falava sobre isso em um passado não tão distante em termos históricos e, ancorado nessa análise, gostaria de falar um pouco sobre esse aspecto que percebemos em diversas pessoas em sua relação com o trabalho. 
Para começar, é preciso termos claro que a alienação é uma cessão de direito a um outro. Por exemplo, quando compramos um carro em um financiamento de Leasing, o carro fica alienado ao banco que concedeu o financiamento, ou seja, os direitos sobre o carro, mesmo sendo você que o dirige, pertence ao banco que é seu proprietário, uma vez que você, ao financiar com ele, cedeu seu direito de posse para esse banco. Toda vez que cedo meu direito a um outro, de certa forma, estou em um processo de alienação. 
Da mesma forma, podemos pensar a relação do trabalhador e da trabalhadora com o trabalho. Essa classe, ao se render ao capital, aliena-se a ele uma vez que agora não é mais a detentora daquilo que produz. 
Falando assim, parece que o processo é extremamente tosco e perceptível a qualquer um que olha. No entanto, esse talvez seja um dos processos mais sorrateiros instituídos pelo sistema do capital. Essa cessão de direitos se dá de forma tão discreta que, na maioria das vezes, as pessoas envolvidas nessa trama não o percebem. 
Mas como isso se dá? 
Claramente, processos complexos se dão também de formas complexas. No nosso caso, considero que uma das cartas mais ferozes que o sistema regido pelo capital tem é o da culpa que esse impõe àqueles que dele dependem. Esse tipo de relação é claramente perceptível nas empresas privadas, uma vez que não existe estabilidade para quem trabalha nesse setor.
É muito comum vermos que essas empresas fazem com que seus funcionários se sintam culpados por não conseguirem cumprir as metas exploratórias estabelecidas sob pressão por parte dos detentores do capital, e ainda impõem o medo a esses funcionários de serem taxados como maus empregados ou não conseguirem a carta de recomendação para uma nova oportunidade, ou a promoção que tanto ajudaria suas famílias, sem contar o medo constante da demissão que a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras vivem, principalmente em tempos de instabilidade econômica e democrática como o que vivemos em dias atuais sob o governo interino. Esse medo de se sentirem culpados se reflete nas inúmeras horas extras, nos estresses, na perda da saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, sem contar outros tantos males que acometem, impressionantemente, somente aos funcionários e às suas famílias, e nunca aos detentores do capital.
Dessa forma, os trabalhadores se veem enredados em um mundo em que não se quer estar, sem conseguirem refletir sobre o processo em que estão inseridos (uma vez que a pressão, os prazos, o dia a dia não permitem essa parada para refletir), nem saírem por não serem capazes de perceber que suas relações com o trabalho podem ser de outra forma, aquém dessas a que estão submetidos.
Sutilmente, esses trabalhadores e trabalhadoras se alienaram e, consequentemente, se sentirão culpados com qualquer atitude revolucionária que os coloquem novamente como chefes de suas vidas.
A culpa se torna assim forte aliada para o capital no processo de alienação, uma vez que impõe ao trabalhador e trabalhadora a ideia de que todo ato de subversão deve ser visto como mal e contrário à ordem e ao certo. Quando tudo isso ainda se traz o discurso de que essa é a vontade de Deus para a humanidade, temos o cenário perfeito para a continuação da alienação e exploração dos mais pobres em nossas sociedades.
[1] Fabrício Veliq é doutorando em teologia pela FAJE, formado em matemática pela UFMG, graduando em filosofia pela UFMG, mestre em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE). Atualmente ministra cursos de teologia no curso de Teologia para Leigos do Colégio Santo Antônio, ligado à ordem Franciscana. É protestante e ama falar sobre teologia em suas diversas conversas por aí.

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