domtotal.com
Sua docilidade e verdade remete-nos à compreensão de que a felicidade repousa na simplicidade.
Por Eleonora Santa Rosa*
“Eu sou um cara... feliz... Eu sou todo o feliz que pode ser um cara que vive em uma sociedade e um mundo como o de hoje”, Ricardo Darín.
Com sinceridade e ausência de afetação incomuns em seu métier, o ator argentino, em entrevista recente, responde, de forma madura e pausada, amorosa mesmo, com uma extraordinariamente simplicidade sábia, ao entrevistador de um renomado programa de tevê, questões relacionadas à fama, à grana, a Hollywood, ao sistema! Sua docilidade e verdade, tocante de se ver, remete-nos à compreensão de que a felicidade, de fato, repousa na simplicidade.
Extraí esta fala de seu depoimento, que, aparentemente, pode soar banal ou desimportante num contexto mais amplo, mas fundamental na compreensão da resposta de Darín a respeito de um convite insistente feito por um renomado diretor americano e sua produtora para que fosse à meca do cinema americano atuar em determinado filme.
A cada arguição repetitiva de seu entrevistador, sobretudo por sua reiterada recusa, para ele (entrevistador) quase inverossímil – afinal como o ator poderia desprezar a bolada financeira, a fama, o status etc que adviriam de sua aquiescência ao convite para um papel de narcotraficante –, ecoava seu clarividente e humilde não.
Vendo-o falar, reparando a expressão de seus olhos, sentindo o ritmo de pensamento e o alcance que buscava com suas palavras, pensei sobre a generosidade e a consciência ampliada que recusa a ambição desmedida, o consumo exacerbado, a mercantilização das relações, a repetição de padrões estéreis e o ganho desmedido de dinheiro num mundo carcomido pela ideia de quanto mais, mais e melhor. Seu não estar à venda e seu não àquilo que a maior parte de seus pares não negaria (quem sabe?) traduzem uma atitude coerente e uma percepção lúcida que cabe a cada um, individualmente, apontar os próprios limites, traduzir crenças e modos de vida em ações reais sintonizadas com um todo maior.
Em suma, a importância da consciência e dos nãos cotidianos em direção à busca da construção de um estado de espírito pacificado e de uma inserção social tranquila e solidária em contraponto ao lugar escuro e obscuro, desolador, como Darín diz a certa altura do programa, da ambição.
Feliz por ter visto esta entrevista (disponível na Internet – vídeo Nossa Época – Ricardo Darín) e mais ainda por ter sentido a humanidade de alguém cuja vida tem sido pródiga de chances e oportunidades, mas que pratica o desprendimento em direção contrária ao incensamento egóico, e que tem clareza de sua responsabilidade em não bastar-se, pura e simplesmente, lembrando-nos onde repousa a essencial coragem do não.
*Eleonora Santa Rosa Jornalista, editora e empreendedora cultural, é considerada uma das maiores especialistas no País na área de Projetos, Planejamento, Captação de Recursos, e Gestão Cultural, com larga experiência na formatação, negociação e implementação de iniciativas culturais de envergadura e repercussão. Ocupou vários cargos públicos ao longo de sua trajetória profissional, tendo sido Secretária de Cultura do Estado de Minas Gerais. É fundadora e diretora do Santa Rosa Bureau Cultural, onde desenvolve ações referenciais nacionais no campo da cultura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário