quinta-feira, 9 de junho de 2016

Papa Francisco em Mariana

 domtotal.com
A ideia da ecologia integral deve ser o ponto central no debate sobre crimes ambientais.
Crime não foi algo separado de nós. Toda a sociedade está pagando por tamanha irresponsabilidade.
Crime não foi algo separado de nós. Toda a sociedade está pagando por tamanha irresponsabilidade.
Crime não foi algo separado de nós. Toda a sociedade está pagando por tamanha irresponsabilidade.
Por Élio Gasda*

Um crime de proporções alarmantes foi cometido em Mariana. O rompimento da barragem de lama tóxica da Samarco há seis meses é o maior do gênero da história mundial nos últimos 100 anos. Comunidades inteiras foram devastadas pela mineradora controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP. O Rio Doce virou um matadouro de peixes, tartarugas e outras espécies. Meio milhão de mineiros e capixabas foi atingido. Após percorrer 600 quilômetros, a lama tingiu o Atlântico. O escoamento dos rejeitos levará meses. O investimento para recuperar as perdas está orçado em mais de US$ 5 bilhões. O temor de novos desastres tornou-se um pesadelo à população. Das 735 barragens em Minas Gerais, 42 não têm garantia de estabilidade (cf. Fundação Estadual de Meio Ambiente). Elas têm permissão para operar. Não foi uma fatalidade.

Quem concede licenças ambientais? Enquanto o Congresso aprova projetos que flexibilizam a concessão de licenças ambientais, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprova leis que aceleram o licenciamento de atividades de mineração. Ou seja, o crime da Samarco/Vale/BHP é um exemplo de como as instituições públicas são controladas por interesses dos plutocratas de plantão. A ganância das mineradoras faz parte de um sistema criminoso de acumulação de riquezas à custa do sofrimento e da morte dos pobres e da destruição da natureza.

Estamos diante de questões mais complexas do que uma crise econômica, política ou da falência das instituições. A crise é de civilização. Defender um crescimento econômico infinito em uma natureza vulnerável e limitada é uma estupidez. O capitalismo trata a natureza como um fator da economia e como um depósito de onde se retira o que se quer e se descarta o que foi inutilizado.

 A economia é um subsistema que deve ser pensado a partir de uma totalidade que é a vida humana e a criação. O reconhecimento dos limites da natureza diante da avareza do capital tornou-se um dos maiores desafios à democracia. A ecologia estabelece critérios de justiça nas relações entre os indivíduos, entre as comunidades locais e entre os povos, entre as gerações do presente com as gerações futuras. Ora, “quando a ecologia humana é respeitada dentro da sociedade, também a ecologia ambiental é favorecida”, diz Bento XVI (Caritas in Veritate n. 51).

Seis meses depois da tragédia, os movimentos sociais estiveram em Mariana para o I Encontro Brasileiro dos Movimentos Populares em diálogo com o Papa Francisco. A ideia da ecologia integral de Francisco deve ser o ponto central no debate sobre crimes ambientais como os cometidos em Mariana: “não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental” (Laudato si, n. 139). O cuidado da casa comum inclui a natureza, a justiça socioambiental, a educação e espiritualidade. Esta visão desmascara os discursos falaciosos da mídia, o cinismo das empresas criminosas e a cumplicidade dos políticos.

A tragédia de Mariana não se limita a um crime contra a natureza. Um crime foi cometido contra o povo brasileiro. O Vale do Rio Doce forma um grande e complexo todo. A rede de relações que ligam e religam todos os seres vivos foi destruída. A casa comum foi agredida com violência. O crime não foi algo separado de nós. Toda a sociedade está pagando um alto preço por tamanha irresponsabilidade: “A análise dos problemas ambientais é inseparável da análise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relação de cada pessoa consigo mesma” (Laudato si n.141). O cuidado com os seres vivos é medido pelo modo como o ser humano é tratado, principalmente os mais vulneráveis: “O impacto mais pesado recai sobre os mais pobres: uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (Laudato si, n. 49).

A ecologia exige esta visão de totalidade. Precisamos superar as interpretações que reduzem os crimes ambientais a questões estritamente ecológicas passíveis de soluções técnicas. O crime cometido em Mariana tem relação direta com o sistema econômico, com a corrupção política e com a escandalosa desigualdade social. Problemas ecológicos são problemas políticos. Sempre reagimos quando é tarde demais e à medida que as coisas acontecem. Mariana nos leva a perguntar com Papa Francisco: “Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai nos suceder e às crianças que estão crescendo?” (Laudato si, n. 160). 

*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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