quinta-feira, 2 de junho de 2016

Santa ira! As mulheres já não suportam mais

 domtotal.com
A violência contra a mulher revela o lado cruel de um país governado por brancos e ricos.
É urgente educar para relações sociais de igualdade.
É urgente educar para relações sociais de igualdade.

Por Élio Gasda*

A maioria da população brasileira é composta por mulheres. É muito difícil ser mulher em um país patriarcal, plutocrático e conservador. O Brasil é reconhecido como um dos lugares mais perigosos do mundo para as mulheres viverem. A violência doméstica, o sexismo e a cultura do estrupo são uma terrível realidade.

Um homem resolveu vingar-se de sua ex-namorada chamando mais de 30 amigos para estuprá-la. Nenhum deles teve compaixão. Filmaram tudo e postaram nas redes sociais. Mulheres manifestaram sua ira santa: “não foram 33 contra uma, mas 33 contra todas nós”. Um dia antes, uma jovem de 17 anos foi violentada por cinco homens no Piauí. Uma mulher a cada 11 minutos é assassinada, ou 130 por dia, mais de 500 mil por ano no Brasil. 70% são crianças e adolescentes (Cf. IPEA. Estupro no Brasil: uma radiografia).

Curiosamente, o maior medo de um preso é ser estuprado e virar a “mulherzinha” da cadeia. As mulheres entendem tal temor, posto que o seu maior medo, a todo momento, é ser estuprada. Em um país que ocupa a 5ª posição na lista dos mais violentos do mundo, é indiscutível a importância da Lei Maria da Penha.

A selvageria cometida contra a adolescente carioca levantou a discussão sobre machismo e cultura do estupro. Corpos femininos são passíveis de serem violados. Uma cantada grosseira e maliciosa, piadas que as ridicularizam, propagandas que as tratam como objeto de desejo. Atitudes cotidianas que colaboram para perpetuar uma sociedade machista que sustenta uma cultura do estupro.

A violência contra a mulher revela o lado cruel de um país governado por homens brancos e ricos. Estamos diante de uma das muitas formas de violência de gênero. O gênero se constrói na relação homem/mulher, uma vez que não existe indivíduo isolado, independente de regras e representações sociais. "Não se nasce mulher, torna-se" (Simone de Beauvoir). Esta perspectiva denuncia os papéis socialmente construídos e impostos à mulher pelas instituições, estruturas e mecanismos sociais. A desigualdade de gênero produz a violência física e sexual, econômica e estrutural, cultural/simbólica e religiosa. Lutar por igualdade de gênero é defender os direitos humanos da maioria da população e prevenir que diferenças sexuais não se desdobrem em violências. A história do Brasil tem sido marcada pela tríade cultura – religião – educação que perpetua as desigualdades e legitimam práticas que negam os direitos à mulher, considerando-a como o “segundo sexo” (Simone de Beauvoir).

É urgente educar para relações sociais de igualdade. Tudo começa em casa, do café da manhã ao jantar. Repete-se na escola, nas igrejas e nos programas de TV. As crianças crescem em uma cultura machista. O estrupo é essa cultura levada ao extremo. É muito difícil combatê-lo enquanto homens se julgarem superiores às mulheres. Machista é o comportamento expresso por opiniões e atitudes que não aceitam a igualdade de direitos e deveres entre os gêneros, enaltecendo o sexo masculino sobre o feminino. Somos fruto desta sociedade e cabe a nós desconstrui-la.

A discussão de gênero nas escolas foi vetada pelo Congresso. Como mudar esse cenário sem falar sobre isso? Vivemos tempos obscuros em que o ministro da educação de um governo golpista recebe em audiência um sujeito que se gabou na TV por ter feito sexo sem consentimento com uma mãe de santo. Alexandre Frota narrou o estupro diante de gargalhadas do apresentador Rafinha Bastos e aplausos da plateia. Ao ser violentada a mulher desmaiou. O que esperar de uma autoridade que endossa a cultura do estupro?

A santa ira faz parte do ser cristão. “Quem não se encoleriza quando se deve, também é culpado” (São João Crisóstomo). A indignação exige mudança. A passividade torna cúmplice. Os cristãos inspiram-se em Jesus que se indignava contra todas as formas de violencia contra a mulher. Nele não se encontra nada que denote machismo ou sexismo. A santa ira é o primeiro passo para instaurar a justiça nas relações de gênero. Que as mulheres mantenham sua santa ira, seja nas ruas, nas redes e até na sede do Supremo, onde calcinhas manchadas de vermelho foram exibidas.

Deus que é Pai e Mãe criou o homem e a mulher à sua imagem (Gn 1, 26-27). O homem não é superior à mulher, nem a mulher superior ao homem. As agressões à dignidade da mulher são agressões à dignidade do homem. Na briga entre homem e mulher temos obrigação de meter a colher. Pessoas não são coisas. As mulheres já não suportam mais. Você é machista?

*Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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