Insiste-se ainda na perfeição, o que é lamentável. Há alguns poucos anos, era comum a discussão sobre o politicamente correto. É que à época ressentia-se dos que se pretendiam mais flexíveis e tolerantes por saber brincar e quebrar os cânones sociais. Por sua incorreção, tentavam se colocar como capazes de assumir as próprias falhas e limites, o que os colocava como mais integrados, mais próximos da perfeição.
Note que a tensão sobre o que é correto ou errado brota da busca pela pureza. Os que politicamente incorretos apoiam-se na ideia de que você não pode fugir da própria sombra e que, para não ser perseguido por ela, haveria de integrá-la. Isso encontra certa validade no pensamento Junguiano, mas não foi exatamente isso o que se passava. Com a desculpa de que “tudo hoje em dia é chato”, “não se pode mais brincar com nada”, “tem mimimi para tudo”, alguns se liberaram para destilar preconceito ou mesmo agredir. Ao quebrar as regras que regem as relações sociais, os que assim procediam visavam estar acima do bem e do mal. Seus chistes, segundo eles, nada tinham de errado porque não consideravam preconceituosos.
Em contrapartida, outros grupos buscavam os limites, as regras para o comportamento. Acabavam, por sua vez, colocando-se sob um peso inumano. Há de se ter cuidado para falar de obesidade para não ser considerado “gordofóbico”, o que inclui não fazer apreciação estética pública expressando não se atrair por esse ou outro tipo de constituição corporal. Comer carne sem culpa tornou-se falta de consciência ambiental e ai daquele que critica a companhia aérea porque seu lanchinho é uma pequena porção de bolachas integrais e orgânicas, feitas com linhaça e qualquer outra semente da qual você não ouviu falar, acompanhada de água. Lembre-se também de que você deve adotar animais de rua.
As duas posturas têm coisas muito interessantes e válidas. O questionamento sobre o que é belo leva a reconsideração sobre o corpo, quebrando o paradigma de que aqueles meticulosamente trabalhados nas academias de ginástica e nas clínicas estéticas e nutricionais seriam mais belos ou superiores. Em contrapartida, brincar e reconhecer as próprias ansiedades que poderiam levar a comer demais ou a preguiça em exercitar-se é também importante. O problema, portanto, não está no contributo de ambos os lados em uma discussão, mas num ideal de perfeição moral. E os “perfeitos” se espalharam. Qualquer crítica deverá ser combatida à exaustão, seja porque as pessoas precisam “despertar suas consciências para a realidade”, seja porque as pessoas “precisam relaxar mais, viver mais levemente”.
O problema da perfeição está no seu caráter de impossibilidade. Enquanto somos humanos, estamos em processo, vamos construindo a nós mesmos, o que corresponde a dizer que ninguém é completo. Este, aliás, é o significado de perfeito (per facere), já feito, completo. Quem busca tal completude tem um parâmetro para o qual caminha e aqui está o núcleo do problema da perfeição. Os modelos buscados geralmente constituem idealizações que podem mais atrapalhar no processo de humanização que ajudar.
O Neoplasticismo foi um desses movimentos artísticos que buscavam uma essência humana e, por isso, encontrava na simplicidade das formas e cores primárias, com sua harmonia, uma pureza artificial que diferenciaria homem de animal. A composição das obras valorizava também o equilíbrio assimétrico que dava unidade ao diverso, buscando reconciliar matéria e forma ou matéria e espírito. O que está presente é o entendimento da essência humana na noção de harmonia e pureza que, para ser alcançada, deveria se seguir a racionalidade presente no mundo, sinal de uma espécie de Espírito Universal que encaminhava tudo para a sua evolução. Tanto a natureza quanto a arte eram apenas reflexo da verdadeira realidade que estava encoberta, essencial, para a qual deveríamos caminhar.
Nesse sentido, foi muito influente, particularmente na vinculação com a escola de Bauhaus de design e desenho industrial, fazendo com que sua estética atingisse diversas produções humanas. Assim, desde a Poltrona Red Blue, de Rietveld, ao vestido Mondrian, de Yves Saint Laurent, o ideal de perfeição neoplástico radicou nos espíritos mais “moderninhos” que se dizem descolados e simples, politicamente corretos ou incorretos, mas que são tão essencialistas como qualquer neoplatônico.
De Stijl
Do dia 20/07 ao 26/09, no CCBB, em Belo Horizonte, estão em exposição pinturas, desenhos de arquitetura, maquetes, mobiliário, documentários, publicações de época e fotografias de artistas do movimento da vanguarda moderna holandesa, Neoplasticismo, conhecido como De Stijl (O Estilo). Iniciado com a revista de mesmo nome, seu ícone principal foi o pintor Piet Mondrian. Elaborando um tipo de “arte total”, usavam cores primárias para criar obras sem restrições, claras e limpas, como imaginavam o futuro. Com ênfase no seu principal representante, a mostra não para nele, mas se estende pelos contextos do movimento e seus desdobramentos. A exposição é gratuita.
*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana.
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