sábado, 16 de julho de 2016

Pokémon: crimes ambientais sob a lógica do jogo

Se fosse um animal silvestre, captura do pokémon seria crime no Brasil e em vários países.
 
Jogo utiliza o sistema de realidade aumentada conjugada com o GPS dos smartphones. Foto (Reprodução)

Por Christiane Costa Assis
e André Filippe Loureiro e Silva*

O lançamento do jogo Pokémon Go está causando uma euforia amplamente divulgada na imprensa, inclusive com notícias no mínimo curiosas: treinadores pokemóns entraram em uma delegacia na Austrália para capturar um Sandshrew e o governo precisou publicar um comunicado oficial pedindo bom-senso à população; nos Estados Unidos treinadores entraram de madrugada em um cemitério no intuito de capturar pokemóns fantasmas; no front de guerra no norte do Iraque um soldado americano capturou um Squirtle; e no Brasil, apesar de o jogo ainda não estar disponível, o Detran do Rio de Janeiro já publicou o alerta em sua rede social: "Atenção! Pokémon na pista!"

O jogo utiliza o sistema de realidade aumentada conjugada com o GPS dos smartphones. Ao se movimentar no mundo real, o jogador – o treinador pokemón – encontra pokémons selvagens e também itens que valem pontos em ruas, prédios, etc, da sua própria cidade. Mas o que seria um pokémon? Pokémon é a abreviação de “pocket monsters” – ou monstros de bolso, em português – e se refere a uma franquia de jogos originalmente lançada em 1996. É um jogo de estratégia que se passa em um mundo fictício habitado por essas criaturas que podem ser capturadas e treinadas para diversas finalidades – a mais comum são as batalhas entre pokemóns.
O objetivo do treinador pokemón é virar um mestre e se tornar o Campeão da Liga Pokémon. Para isso, ele precisará viajar pelo mundo e capturar os pokemóns em recipientes tecnológicos denominados pokébolas – objeto que cabe dentro de uma mão humana. Originalmente existiam 151 espécies de pokemóns, mas atualmente já são mais de 700.  O jogo também possui vilões e os mais conhecidos compõem a Equipe Rocket, que não cuida nada bem dos monstrinhos.

Leia também: Como jogar Pokémon Go

Ser um mestre pokémon e capturá-los mundo afora pode ser divertido, mas precisamos pensar no bem-estar dessas criaturas. Os pokémons podem possuir poderes especiais, mas se parecem muito com os animais em geral. Se considerado como um animal silvestre, a captura do pokémon seria crime no Brasil e em vários outros países que possuem uma legislação protetiva da fauna silvestre. No caso brasileiro, a Lei n. 5.197/1967 (Lei de Proteção à Fauna) protege animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, e também seus ninhos, abrigos e criadouros naturais. Já a Lei n. 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) pune com detenção de seis meses a um ano e multa quem matar, perseguir, caçar, apanhar ou utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente ou em desacordo com a obtida. Então se você encontrar um Charmander ou um Bulbasauro morando no seu bairro ou mesmo de passagem pela sua cidade, capturá-lo na sua pokébola poderia ser considerado crime.

Manter o pokémon na pokébola também poderia ser crime, segundo a Lei n. 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais). Observando a pokébola, ela parece não ter muito espaço para o seu hóspede e, provavelmente - somos humanos e nunca vimos a pokébola por dentro -, ela não apresenta boas acomodações. A Lei de Crimes Ambientais pune com detenção de três meses a um ano e multa quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Se o treinador pokémon mantiver seu pokémon em um local pequeno e abafado como a pokébola, é possível que isso seja considerado maus-tratos.

Estimulados por seus treinadores, os pokémons brigam entre si e isso também é crime punível no Brasil, ainda que regulamentado por lei. O Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a Lei estadual n. 2.895/98 do Rio de Janeiro que regulamentava as competições entre galos combatentes, pois essas “rinhas” causavam tortura, ferimentos e mutilações nos bichos, sendo que o objetivo final era a morte do perdedor. Então ainda que os duelos pokémon já sejam tradição, a proibição da crueldade prevalece sobre o aspecto cultural. Assim como a morte dos animais, a morte de um pokémon também seria terrível – Pikachu, por favor nunca abandone o Ash!

Capturar pokémons e assistir a um duelo entre eles pode ser uma boa diversão, mas não podemos desrespeitar a vida que está ali. É como ir ao circo e assistir os truques com os animais: o show pode ser interessante, mas esses bichos precisaram ser adestrados para agir daquela forma e, infelizmente, muitas vezes o adestramento envolve maus-tratos e crueldade. Os pokémons aprendem seus ataques sozinhos, mas sem a ordem “Pokémon, eu escolho você!” a disputa não aconteceria – exceto por uma questão de sobrevivência no ambiente natural, assim como acontece com os animais.

Utilizar os animais como entretenimento ou como objeto de concurso também pode configurar crime, especialmente em função dos tratamentos e treinamentos aos quais eles são submetidos. A Beautifly pode ser uma vencedora de concursos, mas não é mero objeto de exibição e sim um ser vivo.

Para os animais já existe uma legislação protetiva e nós precisamos cumpri-la. Já para os pokémons não há um regulamento, então agora que os pokémons estão soltos nas ruas talvez seja interessante elaborar um tratado internacional ou mesmo uma lei brasileira. Mas desde já precisamos lembrar: um bom mestre cuida bem dos seus pokémons e de todos os outros seres vivos.

Assista ao vídeo de apresentação de Pokémon Go





* Christiane Costa Assis
Mestre e especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada e professora da graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara.

André Filippe Loureiro e Silva
Mestre e especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogado e professor de pós-graduação em Direito.


Redação DomTotal

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