quinta-feira, 28 de julho de 2016

Reforma agrária: uma questão de segurança alimentar e soberania nacional

domtotal.com
O Brasil é um dos países com maior concentração de terras do mundo.
O Brasil é um dos países com maior concentração de terras do mundo.
Por Élio Gasda*

O dia 25 de julho, Dia do Trabalhador Rural, deve ser comemorado sempre. Quatro dias de muita arte, cultura, envolvimento político, saberes, agroecologia e alimentos sem veneno. Assim foi o 2° Festival Nacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária. O evento reuniu pequenos agricultores, responsáveis, no Brasil, pela produção de 70% dos alimentos que consumimos.

Num país dominado por latifundiários a democratização do acesso à terra é urgente, necessária e inadiável. O agronegócio não planta comida, produz mercadorias. É ele o principal culpado pelo preço do feijão. Nos últimos 25 anos, houve uma redução na área destinada à plantação de alimentos. No mesmo período em que a área plantada de feijão caiu 36%, a área de soja aumentou 161%. Quem põe feijão na mesa do povo é o pequeno produtor, responsável por 80% da área plantada. A reforma agrária coloca a terra a serviço do povo. É terra possuída por quem nela trabalha e não para especular com os preços de mercado.

O Brasil é um dos países com maior concentração de terras do mundo. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, entre 2011 e 2014 registraram-se os piores indicadores em matéria de reforma agrária dos últimos 20 anos. Neste período, seis milhões de hectares passaram para as mãos do latifúndio. As grandes propriedades saltaram de 238 milhões para 244 milhões de hectares. Apenas 130 mil grandes imóveis rurais concentram 47,23% da terra. Somados, os 3,75 milhões de pequenas propriedades equivalem a um quinto disso. Dados do Atlas da Terra Brasil/2015 revelam que as pequenas propriedades caíram de 15,6% para 14,7% e as grandes propriedades foram de 56,1% para 59,6% da área total. O agronegócio avança sobre terras públicas ameaçando unidades de conservação.

Amplia-se a extrema concentração da terra. Para agravar ainda mais a situação, o Projeto de Lei que regula compra de terras por estrangeiros (PL 4059/12)  está na pauta do governo Temer. A legalização da desnacionalização do território brasileiro ocorre por meio de manobra da Bancada Ruralista.  “Não se vende a Pátria”, diz Papa Francisco (mensagem pelo bicentenário da Independência da Argentina). A questão agrária virou uma questão de segurança nacional. O controle do capital externo da terra no Brasil é a forma da apropriação das nossas imensas riquezas naturais. Na verdade, a reforma agrária não foi prioridade de nenhum governo pós-ditadura. Também não será no atual governo antidemocrático. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, integrava o Conselho de administração do grupo JBS (Friboi). A cleptocracia corrupta e golpista que tomou conta do Planalto tornou os proprietários rurais mais poderosos. A violência no campo tem duas causas: o latifúndio e a impunidade com o que o Estado trata os responsáveis pelos crimes contra os sem terra, os quilombolas e os povos indígenas. 

O latifúndio é fruto da avareza, é terra que os ricos se apropriam para ficarem mais ricos sem trabalhar. É considerado um pecado grave pela Igreja, pois se opõe à vontade de Deus, mina as bases da convivência social, gera violência, morte e destruição ambiental. A doutrina da Igreja sobre a propriedade tem como referência o princípio do destino universal dos bens: “Deus destinou a terra, com tudo que ela contém, para o uso de todos os homens e de todos os povos, de tal modo que os bens criados devem bastar a todos, com equidade, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade” (Gaudium et Spes, n. 69). O uso comum dos bens é o primeiro princípio de toda ética social. É necessário regular este direito na ordem jurídica. A riqueza de uns não pode ser um obstáculo para que a maioria tenha acesso à propriedade. O direito de propriedade não deve tolher o direito à propriedade. Em caso de necessidade, todas as coisas são comuns (São Tomás de Aquino). Escreve João Paulo II: “A tradição cristã nunca defendeu tal direito como algo absoluto e intocável; pelo contrário, sempre o entendeu no contexto mais vasto do direito comum de todos a utilizarem os bens da criação inteira” (Laborem Exercens, n. 14). Papa Francisco em discurso na Bolívia (2015), afirmou que “o destino universal dos bens não é um adorno retórico da doutrina social da Igreja. É uma realidade anterior à propriedade privada. A propriedade, sobretudo quando afeta os recursos naturais, deve estar em função das necessidades das pessoas.” A distribuição da terra, seja urbana ou rural, alerta para a tomada de consciência sobre os dramáticos problemas humanos, sociais e éticos que o latifúndio levanta. A reforma agrária é fundamental para resolver os problemas econômicos e sociais do Brasil. Nem mais um passo atrás na luta contra este crime contra os pobres e contra a nação.

*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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