terça-feira, 12 de julho de 2016

The Night Manager: TV, internet e excelência

domtotal.com
The Night Manager é uma vitória da TV pública do mundo.
A série rodou de mão em mão da indústria audiovisual de língua inglesa desde seu lançamento em 93.
A série rodou de mão em mão da indústria audiovisual de língua inglesa desde seu lançamento em 93..
Por Alexis Parrot*

Uma das melhores coisas que a televisão mundial colocou no ar em 2016, a minissérie The Night Manager, é um colírio para os olhos e para os sentidos. Bota no chinelo Homeland (que era muito interessante durante as duas primeiras temporadas), a série americana - adaptada de um sucesso da TV israelense - que também lida com espionagem, estrelada por Claire Danes, Damian Lewis e Mandy Patinkin.

Baseada no livro homônimo de John Le Carré, especialista em histórias de espião, The Ninght Manager rodou de mão em mão da indústria audiovisual de língua inglesa desde seu lançamento em 93. Brad Pitt já quis ser Jonathan Pine - o "gerente noturno" do título - e o já falecido Sydney Pollack quis desenvolver um filme a partir do livro. Porém, sempre esbarrou-se em uma complicação: o original seria muito intrincado para um filme, tantos detalhes e reviravoltas a história original encerra. Uma minissérie, com mais tempo de projeção (ou transmissão, no caso), foi a resposta mais adequada e final para que o material pudesse ser trabalhado à altura do imaginado por Le Carré.

O rebento a que pudemos assistir é vitorioso a começar pelo seu elenco: o gerente de hotel jogado em meio a uma trama global que mistura espiões, assassinatos e contrabando de armas é vivido por Tom Hiddlestone - o Loki dos filmes do Universo Marvel e o próximo provável Bond, James Bond - cujo inimigo mortal vem a ser ninguém menos do que Hugh Laurie - o ex (e eterno, na mesma medida) Doutor House, Gregory House. Segue-se a isso a adaptação primorosa e a direção da dinamarquesa Susanne Bier - diretora de mão firme, melhor nessa minissérie do que na maioria de seus filmes, incluído aí Em um Mundo Melhor, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2011.

O próprio Laurie sonhava em viver o gerente e até pensou, anos atrás, em comprar os direitos do livro. O tempo passou e ele acabou ficando com o papel do vilão. E que vilão ele constrói! Nada a ver com House - mostrando que ter se tornado uma estrela não mudou sua capacidade de vestir-se talentosa e surpreendentemente de outros personagens.

A série estreou no Reino Unido em fevereiro deste ano e em vários outros países no dia seguinte, no Brasil inclusive, na TV por assinatura. Hoje está disponível em vários serviços de streaming na internet - comerciais e piratas - e é algo que merece ser visto e revisto por todos os fãs da boa televisão.

Sim; eu disse televisão. Mesmo que hoje em dia sejamos capazes de assistir a praticamente tudo que quisermos pela internet, a maioria dos produtos a que assistimos continuam sendo televisão. Mesmo o Netflix, com suas produções originais, mantém até o formato da televisão para suas séries; quer seja na duração de cada episódio ou na quantidade destes em cada temporada. Comercialmente e ideologicamente é tudo televisão - não importa se hoje estamos assistindo televisão de outras maneiras.

Talvez a exceção deste cenário dentro da internet esteja apenas no youtube, com seus tutoriais (de games, de maquiagem, de receitas culinárias, etc.) e vlogs (testemunhos pessoais). Fora isso é tudo televisão. As experiências transmídia ainda engatinham e muito raramente somos brindados com alguma iniciativa que, de fato, explore as especificidades do meio ou das plataformas que ele oferece.

De volta a The Night Manager: é uma co-produção entre o canal norte americano AMC (o mesmo que já nos trouxe Mad Men e Breaking Bad) e a inglesa BBC. Não é surpresa para ninguém que a TV pública britânica esteja envolvida em uma produção de tão alto nível, algo que não subestima o espectador e que oferece fruição com conteúdo.

Mas por que a BBC é tão boa e a nossa TV pública brasileira é tão mal falada? Será mesmo por falta de excelência ?

Definitivamente não.

Se pegarmos, para começar, a nossa programação infantil derrubamos a tese em dois tempos: Quem não se lembra da trilogia RA-TIM-BUM (o programa original, depois o Castelo e finalmente a Ilha) ou de No mundo da Lua? - Todos programas originais produzidos e exibidos pela TV Cultura; todos com sucesso de público e de crítica. Ou então Um Menino Muito Maluquinho; baseada no personagem mais que imortal de Ziraldo, uma série emocionante da TVE do Rio de Janeiro (que posteriormente serviu de base para a criação da TV Brasil). Ou o Dango Balango da pública mineira Rede Minas, já exibida nacionalmente pela TV Cultura e hoje no ar pela TV Brasil ? A excelência e o compromisso com o público existem.

No momento perigoso em que um governo interino cogita dar fim à TV Brasil temos que nos perguntar o que se esconde por trás dessa sandice. Será talvez por que a grande maioria dos políticos brasileiros (com mandato ou sem mandato) são donos de emissoras regionais afiliadas aos canais comerciais brasileiros e o crescimento da TV pública interfere em seus interesses financeiros? Ou será que é pura ignorância mesmo; coisa de gente que quer assumir um país sem querer saber desse país e do que significa "interesse público"?

Enquanto isso, a BBC só cresce e se aprimora. The Night Manager é uma vitória da TV pública do mundo. E eu sou capaz de apostar com qualquer um: se botassem o Michelzinho para assistir a programação infantil da nossa TV pública, é batata que ele ia adorar.

(THE NIGHT MANAGER - no ar em vários serviços de streaming internet afora)

Audiência e TV pública

Recentemente homenageado pelo Festival de humor Risadaria, o apresentador Fausto Silva

insinuou, de público, que a Globo não morre de amores pelas Videocassetadas de seu programa dominical mas que o quadro não sai do ar porque faz 25 anos que dá audiência. E era justamente isso que o Presidente da TV Brasil, Ricardo Melo, em recente audiência pública no Congresso Nacional, queria dizer sobre a diferença entre a as emissoras comerciais e a TV pública. A audiência (ou o que dá audiência) não pode ser parâmetro para justificar a relevância desta, em detrimento daquelas. Senão vira tudo uma grande videocassetada.

Estive na internet e me lembrei de você

Duas experiências de ficção criadas especificamente para a internet que merecem ser conhecidas e reconhecidas:

1. Horace &Pete: criada este ano por Louis C. K. - o protagonista da série cômica de sucesso Louie - acompanha o dia a dia de Horace and Pete, dois proprietários de um pub meio às moscas no Brooklyn, em Nova York. É mais melancólico que engraçado. Mas é surpreendente - mais de um crítico já apontou que teria mais a ver com teatro do que com TV, apesar de não ser "teatro filmado". Conta com um elenco de sonho que inclui Steve Buscemi e Alan Alda. Foi financiado pelo próprio C. K. e não teve retorno financeiro nenhum - apesar de suas qualidades extremas.

2. Green Porno: uma série online deliciosa, bancada pelo canal Sundance TV. Foi lançada na internet em 2008 e explora a vida sexual de animais na primeira e segunda temporadas e questões sobre meio ambiente na terceira. A atriz Isabella Rossellini é a criadora e escritora da série e, a cada episódio, encarna aranhas, moluscos, peixes e outros bichos inusitados. Para nosso deleite.

As duas séries estão disponíveis no youtube.

Homenagem

Vale o registro sobre a morte do ator Guilherme Karan, vítima de implacável doença degenerativa, na semana passada, aos 58 anos. Que a lembrança do seu talento e da alegria que nos proporcionou continue nos acompanhando em reprises da TV Pirata ou das novelas que ele tenha integrado o elenco. Já andava sumido há alguns anos, lutando contra a doença que o vitimou - mas de nossas memórias não sumiu nunca. E não sumirá.

A televisão brasileira assistida por...

Dani Nefussi, atriz

dos filmes: Mãe Só Há Uma (estreia 21 de julho); Bicho de Sete Cabeças (2001);

O que vale a pena:

Acho que as séries e o cinema valem a pena, apesar de ser a internet que dá conta de satisfazer esses interesses de forma bem melhor. Há um espaço ficcional que foi deixado pela novela brasileira, que hoje é péssima, que pode ser substituído por esta programação.

Valem a pena todos os programas, nacionais e internacionais, de documentários, e alguns programas de entrevistas e/ou bate-papo que acompanham a dinâmica de informação e conhecimento que adquirimos com a internet. Considero importante quando o audiovisual assume seu espaço de propagador de conhecimento, informação e ferramenta provocadora de reflexão.

Claro que a qualidade de tudo isso deve melhorar.

O que faz falta

Faz falta a diversidade e a qualidade. São centenas de canais de quase nada e, para haver diversidade, a TV pública deve expandir muito. Falta política pública para a televisão que hoje está atrelada ao capital financeiro privado. Falta a popularização do audiovisual. Então, muitos assuntos que eu poderia listar entrariam em pauta com certeza.

*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista. Escreve sobre televisão às terças-feiras para o DOM TOTAL.

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