quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Duas Marias: uma da Penha, outra de Mágdala

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A história da humanidade e do cristianismo não pode ser contada sem as mulheres.
Maria da Penha Maia lutou durante 20 anos para ver seu agressor condenado.
Maria da Penha Maia lutou durante 20 anos para ver seu agressor condenado.

Por Élio Gasda*
No dia 07 de agosto a Lei Maria da Penha completa 10 anos. Maria da Penha Maia, biofarmacêutica cearense, lutou durante 20 anos para ver seu agressor condenado. Símbolo contra a violência doméstica, essa Maria atua em movimentos sociais e hoje coordena a Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência. A Lei que leva seu nome cria mecanismos para coibir a violência doméstica contra a mulher, nos termos do art. 226 da lei de 11.340 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação das Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; dá outras providências.

As mulheres fazem parte de um dos principais grupos que sofrem violência no Brasil. Dados do Mapa da Violência apontam que 55% dos homicídios contra mulheres são praticados por familiares diretos. No país das Olimpíadas-2016 uma mulher é estuprada a cada 11 minutos (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). No Rio de Janeiro, uma a cada duas horas (Anuário de Segurança Pública). Papa Francisco fez inúmeras referências a este tipo de violência: “Símbolo de vida, o corpo feminino é, infelizmente com frequência, agredido e deturpado também por aqueles que deveriam ser os seus guardas e companheiros de vida” (Plenária do Pontifício Conselho para a Cultura, 2015).

São muitas as formas de violência contra a mulher. No dia 03 de junho, Francisco corrigiu uma violência cometida pela tradição da Igreja na história de outra Maria. A celebração de Maria Madalena (22/07) deixou o estatuto litúrgico de “memória” e foi elevada ao grau de “festa”. Esta decisão acontece no contexto do Jubileu da Misericórdia. Maria Madalena integrava o círculo de amizades de Jesus e foi a primeira testemunha da ressurreição. Testis divinae misericordiae (Gregório Magno) revelada na Cruz e no enaltecimento do Cristo Glorioso. Não há qualquer fundamento bíblico para considerá-la como prostituta arrependida.

A igualdade de gêneros está na primeira página da Bíblia (cf. Gn 1,27), mas foi ignorada por uma história, uma sociedade e uma Igreja patriarcal. “Toda a história das mulheres foi escrita pelos homens” (Simone de Beauvoir), a da igreja também. Mas o homem Jesus, ao contrario, viu na igualdade de gênero o ideal do ser humano segundo o projeto divino. Desde o início, seu movimento foi marcado pela participação ativa das mulheres. Elas O acompanharam até junto da cruz, enquanto os homens fugiram acovardados (cf. Jo 19,25). A morte na cruz era reservada para condenados por crimes políticos, e as pessoas identificadas com o criminoso poderiam sofrer o mesmo fim. O fato de Maria Madalena permanecer com Jesus mostra o quanto ela o amava, arriscando sua própria vida.

Apóstola dos apóstolos (apostola apostolorum), seu nome é mencionado doze vezes nos quatro Evangelhos, mais do que a maioria dos apóstolos, é liderança destacada na origem do cristianismo. Colocá-la no mesmo nível de festa dos outros apóstolos confere a ela um status semelhante. Figura-chave da história da salvação, a liturgia do Domingo de Páscoa pede a Maria Madalena que ela conte o que viu. Em cada missa pascal no mundo inteiro, ela continua a falar: “Eu vi o Senhor!”

A história da humanidade e do cristianismo não pode ser contada sem o protagonismo de mulheres como Maria da Penha e Maria Madalena. As mulheres são criadas à imagem e semelhança de Deus, são remidas por Cristo e santificadas pelo Espírito. É como mulheres que elas simbolizam o mistério de Deus. Representam Deus criando-redimindo-salvando. Por isso, “as reivindicações dos legítimos direitos das mulheres, a partir da firme convicção de que homens e mulheres têm a mesma dignidade, colocam à Igreja questões profundas que a desafiam e não se podem aludir superficialmente” (Evangelii Gaudium, n. 104).

Sempre houve mulheres que desafiaram as normas e as imposições culturais. Nessas resistências está a figura de Maria da Penha, Maria Madalena e de tantas outras Marias na história da Igreja e da sociedade. São modelos de vida. Papa Francisco nos desafia a “ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja” (Evangelii Gaudium, n. 103). Não é possível dar como certa a presença da mulher na Igreja e na sociedade sem favorecer concretamente um protagonismo delas nos lugares onde se tomam as decisões importantes.

*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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