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A história da humanidade e do cristianismo não pode ser contada sem as mulheres.
Maria da Penha Maia lutou durante 20 anos para ver seu agressor condenado.
Por Élio Gasda*
No dia 07 de agosto a Lei Maria da Penha completa 10 anos. Maria da Penha Maia, biofarmacêutica cearense, lutou durante 20 anos para ver seu agressor condenado. Símbolo contra a violência doméstica, essa Maria atua em movimentos sociais e hoje coordena a Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência. A Lei que leva seu nome cria mecanismos para coibir a violência doméstica contra a mulher, nos termos do art. 226 da lei de 11.340 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação das Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; dá outras providências.
As mulheres fazem parte de um dos principais grupos que sofrem violência no Brasil. Dados do Mapa da Violência apontam que 55% dos homicídios contra mulheres são praticados por familiares diretos. No país das Olimpíadas-2016 uma mulher é estuprada a cada 11 minutos (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). No Rio de Janeiro, uma a cada duas horas (Anuário de Segurança Pública). Papa Francisco fez inúmeras referências a este tipo de violência: “Símbolo de vida, o corpo feminino é, infelizmente com frequência, agredido e deturpado também por aqueles que deveriam ser os seus guardas e companheiros de vida” (Plenária do Pontifício Conselho para a Cultura, 2015).
São muitas as formas de violência contra a mulher. No dia 03 de junho, Francisco corrigiu uma violência cometida pela tradição da Igreja na história de outra Maria. A celebração de Maria Madalena (22/07) deixou o estatuto litúrgico de “memória” e foi elevada ao grau de “festa”. Esta decisão acontece no contexto do Jubileu da Misericórdia. Maria Madalena integrava o círculo de amizades de Jesus e foi a primeira testemunha da ressurreição. Testis divinae misericordiae (Gregório Magno) revelada na Cruz e no enaltecimento do Cristo Glorioso. Não há qualquer fundamento bíblico para considerá-la como prostituta arrependida.
A igualdade de gêneros está na primeira página da Bíblia (cf. Gn 1,27), mas foi ignorada por uma história, uma sociedade e uma Igreja patriarcal. “Toda a história das mulheres foi escrita pelos homens” (Simone de Beauvoir), a da igreja também. Mas o homem Jesus, ao contrario, viu na igualdade de gênero o ideal do ser humano segundo o projeto divino. Desde o início, seu movimento foi marcado pela participação ativa das mulheres. Elas O acompanharam até junto da cruz, enquanto os homens fugiram acovardados (cf. Jo 19,25). A morte na cruz era reservada para condenados por crimes políticos, e as pessoas identificadas com o criminoso poderiam sofrer o mesmo fim. O fato de Maria Madalena permanecer com Jesus mostra o quanto ela o amava, arriscando sua própria vida.
Apóstola dos apóstolos (apostola apostolorum), seu nome é mencionado doze vezes nos quatro Evangelhos, mais do que a maioria dos apóstolos, é liderança destacada na origem do cristianismo. Colocá-la no mesmo nível de festa dos outros apóstolos confere a ela um status semelhante. Figura-chave da história da salvação, a liturgia do Domingo de Páscoa pede a Maria Madalena que ela conte o que viu. Em cada missa pascal no mundo inteiro, ela continua a falar: “Eu vi o Senhor!”
A história da humanidade e do cristianismo não pode ser contada sem o protagonismo de mulheres como Maria da Penha e Maria Madalena. As mulheres são criadas à imagem e semelhança de Deus, são remidas por Cristo e santificadas pelo Espírito. É como mulheres que elas simbolizam o mistério de Deus. Representam Deus criando-redimindo-salvando. Por isso, “as reivindicações dos legítimos direitos das mulheres, a partir da firme convicção de que homens e mulheres têm a mesma dignidade, colocam à Igreja questões profundas que a desafiam e não se podem aludir superficialmente” (Evangelii Gaudium, n. 104).
Sempre houve mulheres que desafiaram as normas e as imposições culturais. Nessas resistências está a figura de Maria da Penha, Maria Madalena e de tantas outras Marias na história da Igreja e da sociedade. São modelos de vida. Papa Francisco nos desafia a “ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja” (Evangelii Gaudium, n. 103). Não é possível dar como certa a presença da mulher na Igreja e na sociedade sem favorecer concretamente um protagonismo delas nos lugares onde se tomam as decisões importantes.
*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
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