O crescimento de Donald Trump nas pesquisas desde a metade de agosto fazia do debate de ontem à noite um momento crucial para a campanha de Hillary Clinton. Era fundamental para ela interromper a trajetória. Para 62% dos ouvidos pela rede CNN na pesquisa logo depois do debate, ela venceu. Mas ainda não é possível dizer se essa vitória aparente deterá a onda recente favorável a Trump.
É possível fazer dois tipos tipo de análise sobre o debate. A primeira, sobre o conteúdo: o que os candidatos disseram, quantas mentiras contaram, quanto exageraram e que temas abordaram. A segunda, sobre a forma: quantas vezes interrompram o adversário, qual era seu tom de voz, seu grau de tensão, que emoção transmitiram.
Do ponto de vista do conteúdo, Hillary se saiu melhor. Seu conhecimento e experiência em política internacional são mais profundos que os de Trump. Isso se fez sentir nas respostas sobre a Guerra do Iraque – Trump mentiu ao dizer não tê-la apoiado –, o combate ao Estado Islâmico e armas nucleares.
Checagens do debate feitas pelo New York Times e pelo Factcheck.org revelam imprecisões e mentiras proferidas por ambos. Mas as mentiras de Trump são mais flagrantes, mais fáceis de considerar absurdos diante da realidade. O Vox fez uma lista com 11 afirmações falsas ou despropósitos ditos por ele no debate.
Trump atribuiu à campanha de Hillary uma iniciativa (falsa) para verificar o local de nascimento do presidente Barack Obama, quando apenas há algumas semanas, após anos alimentando a fantasia de que Obama nascera no Quênia, ele reconheceu que o atual presidente é mesmo natural do Havaí. Trump afirmou que se opôs à Guerra do Iraque desde o início, enquanto só fez isso publicamente em 2004. Também se enrolou todo para explicar por que ainda não divulgou sua declaração de imposto de renda.
As mentiras de Hillary são mais difíceis de pegar. Ela exagerou o número de empregos estimados em seu plano econômico – são 3,2 milhões em vez de 10 milhões. Também disse que Trump não pagou imposto de renda em três de cinco anos nos anos 1970 (os únicos para os quais os números estão disponíveis) – ele pagou pouco, US$ 19 mil, US$ 11 mil e US$ 42 mil, mas não “zero” como disse Hillary.
O melhor momento de Hillary foi, sem dúvida, o instante em que ela retomou a palavra de Trump após uma série de diatribes sobre armas nucleares e a necessidade de novas regras na Otan e tentou tranquilizar as nações sobre a posição americana em relação aos tratados internacionais. Ela transmitiu a seriedade e gravidade necessárias a ocupar a Presidência.
Mas isso aconteceu só no final do debate. No trecho de maior audiência, o início, Trump dominou e trouxe a temática para o seu campo: a perda de empregos para a China, a devastação na indústria do Meio-Oeste e a recuperação desigual da crise de 2008. As ideias de Hillary para a economia pareciam impenetráveis. Quem assistisse apenas aos primeiros 25 minutos – boa parte da audiência – veria nele uma argumentação mais clara, mais fácil de entender, com mais chance de atingir o eleitor indeciso.
É a forma e a aparência dos candidatos que determina, contudo, o resultado de um debate na mente da audiência. Trump, segundo levantamento do Times, falou mais (44 minutos, contra 41 de Hillary), interrompeu mais (29 vezes contra 9), acusou Hillary de mentir mais (26 vezes contra 10) e foi mais admoestado pelo moderador, Lester Holt (5 vezes contra 0). Trump parecia mais tenso e, depois de dominar o início, caiu em diversas armadilhas. Excedeu-se na postura agressiva, de “macho-alfa”, que costuma agradar a uma parcela expressiva do eleitorado, mas não a todos.
“Como a maior parte da linguagem corporal do ‘macho-alfa’, o que é bom em pequenas doses pode se voltar contra ele em doses maiores”, escreveu o especialista em linguagem não-verbal Jack Brown na análise do debate publicada em seu blog. “Mais não é melhor. Isso faz ele parecer cansado, ansioso e fora de seu elemento.”
Depois do domínio inicial de Trump, Hillary contou com a ajuda do moderador para atrair Trump às armadilhas – Holt mencionou a declaração de imposto de renda, o local de nascimento de Obama e afirmações machistas de Trump. A maior gafe dele, depois de tentar recuperar a serenidade em algumas respostas, foi ser agressivo com uma mulher.
Era tudo o que ele não deveria ter feito, mas, no final, não resistiu à provocação. Questionado sobre por que dissera que Hillary não tinha “aparência” presidencial, ele respondeu que ainda faltava a ela “vigor” (“stamina", expressão em geral usada para referir-se à virilidade masculina) para ocupar o cargo. “Ele tentou mudar de aparência para vigor, mas esse é um homem que chamou mulheres de porcos, patetas e cadelas”, disse Hillary.
Ela chamava Trump de "Donald"; ele se referia ela como "secretária Clinton". Quem abaixasse o som da TV veria melhor o contraste. De um lado, uma mulher tantando sorrir, não de modo relaxado, mas como quem tenta não dar bola para aquilo que seu oponente diz, quer transmitir um ar superior e parecer adulta. Do outro, um provocador nervoso, que segura o púlpito com força e interrompe toda hora, as pernas balançando, com uma expressão tensa e um ar agressivo. As pesquisas nos próximos dias dirão quem agradou mais ao público americano.
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