sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Malucos explícitos & loucos discretos

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Gosto dos doidos comuns, aqueles que tinham tudo para ficarem em casa quietinhos.
O fato é que estou convencido de que ninguém pode ser feliz nesta vida sem um Everest particular.
O fato é que estou convencido de que ninguém pode ser feliz nesta vida sem um Everest particular.

Por Fernando Fabbrini*

Logo após a conquista do Everest, um repórter perguntou a Sir Edmund Percival Hillary porque, diabos, tinha ele se arriscado tanto, de forma obsessiva, enfrentando perigos arrepiantes, até espetar a bandeirinha no ponto mais alto do mundo. Dizem que Sir Edmund deu uma baforada no cachimbo, pensou um pouco e respondeu, sério:

- Posso lhe dizer a verdade?

- Claro!

- Acho que foi só porque me deu vontade.

E nada mais disse. Direto e reto. Nenhum sinal de vaidade, de heroísmo; nenhum brado retumbante. Estava ali uma pessoa simples, falando com sinceridade e candura sobre um impulso incontrolável de sua alma exótica.

Em modalidades de extravagâncias, identifico duas categorias principais: a dos Malucos Explícitos e a dos Loucos Discretos. A primeira tribo é formada pelos maníacos divertidos. Cismam com algumas coisas e não sossegam enquanto não as realizam. Por exemplo: visitar Roma sete vezes na vida. Seis, não serve. Ou pior: figurar no Guinness com o título de maior colecionador de saca-rolhas do mundo. Caso não consigam, definham até a morte, remoendo a frustração.

Porém, me interesso mais pela segunda classe, a dos Loucos Discretos, na qual incluo Sir Hillary e alguns amigos. Se conseguíssemos vasculhar a biografia dessa gente, com certeza iríamos descobrir histórias fantásticas motivadas por uma branda insanidade que as acomete. Trata-se daquela febre que inflama homens e mulheres, em todos os tempos da história, em qualquer lugar do mundo. Parece predestinação. E não são apenas exploradores, mas também cientistas, artistas, pensadores, professores – e gente comum.

Acima de tudo, gosto dos doidos comuns, aqueles que tinham tudo para ficarem em casa quietinhos, cumprindo as regras do manual do rebanho. Mas, não: um belo dia lá vão eles sozinhos, enfrentar monstros ou explorar ilhas desertas. Nem que seja para voltar e contar aos amigos, numa roda de chope, que as ilhas desertas viraram resorts cheios de casais com crianças, vendedores de souvenires e instrutores de surf. Ou que os monstros não eram tão monstruosos quanto pareciam – ao contrário, tudo bicho legal. Essa turma parece afirmar, nas entrelinhas: "Ah! Não tem graça nenhuma seguir um caminho que já existe. Bom mesmo é o desconhecido; ver novidades, passar apertos. E aí deixar uma trilha aberta pra quem vier depois."

Brincando com suas loucuras mansas são eles, afinal, quem plantam as sementes. São esses que saltam os obstáculos imaginários; que enxergam a sereia sedutora onde ninguém mais tinha visto. Em nome da humanidade, dão o solene passo rumo ao degrau de cima, nessa escada infinita.

O fato é que estou convencido de que ninguém pode ser feliz nesta vida sem um Everest particular. Porque só temos, na verdade, uma única opção, clara, gritante: é viver o nosso próprio sonho – e não os sonhos dos outros. Enquanto não encararmos de frente aquela montanha, arrumamos a mochila e damos início a jornada, seremos – na prestação de contas diária com o travesseiro – insetos rastejantes. Repito meu mote preferido: segurança – como diz de maneira óbvia o vocábulo – é algo que só serve para segurar a gente.

*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.

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