sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A celebração da Palavra como ação de Jesus

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"Cristo está sempre presente em sua Igreja, especialmente nas ações litúrgicas".
Reunidos, em nome de Cristo, os fiéis não estão impedidos de fazer o que está ao seu alcance.
Reunidos, em nome de Cristo, os fiéis não estão impedidos de fazer o que está ao seu alcance.

Por Pe. Danilo César*

A celebração da Palavra é uma autêntica liturgia da Igreja. A Constituição Sacrosanctum Concilium, 35,4, reconhece e recomenda tais celebrações em ocasiões mais solenes e festivas e naquelas situações mais recorrentes, por exemplo, onde falta o ministro ordenado para a presidência da celebração no Dia do Senhor.[1] Contudo, muito se discute a respeito de tais celebrações, sobretudo no quesito das expressões litúrgicas e das nomenclaturas aplicadas: se o ministro leigo profere ou não homilia, se toma ou não o lugar da presidência no espaço celebrativo, se saúda o povo com as palavras “o Senhor esteja convosco”, se deve ser designado ou não como “ministro da presidência leiga”.[2] O presente texto propõe outro caminho: Cristo está presente às nossas celebrações da Palavra? Tais celebrações são ação sacerdotal de Cristo?

Presença e atuação de Cristo

Sendo uma autêntica liturgia da Igreja (cf. SC 35,4), a Celebração da Palavra conta com Cristo que está sempre presente e atuante nas ações da Igreja (cf. Mt 18,20; SC 7). O Papa Paulo VI já recordava inclusive que o estar e o agir de Cristo vão além dos atos litúrgicos, para dizer da abrangência dessa presença do Senhor.[3] Dito de outro modo, se a liturgia é tida como ápice da ação da Igreja, muito mais ela conta com esta presença, uma vez que outras ações são também coroadas por ela.

Mas as celebrações, sem desconsiderar a especial configuração dos ministros ordenados ao Cristo Cabeça (Cf. Cl 1,18), incluem a participação dos fiéis, identificados (enxertados) a Cristo pelo Batismo (cf. Rm 6,5) e feitos pelo Espírito membros do seu Corpo (cf. 1Cor 12,5-7.11-14), e, portanto, configurados ao Cristo Corpo. Deste modo, a celebração, enquanto manifestação da Igreja, é uma realidade transfigurada pelo Cristo. Santo Agostinho convida os fiéis que oram a reconhecerem sua identificação com Cristo: “reconheçamos, pois, nele, a nossa voz e sua voz em nós”.[4] Não se nega portanto, a dupla configuração a Cristo pelos sacerdócios comum e ministerial, e como precisa a Lumen Gentium 10, de um modo diferenciado por natureza e grau.

A Igreja reconhece a necessidade de ministros leigos para conduzir celebrações dominicais da Palavra, quando não há ministros ordenados. Tal reconhecimento inclui ressalvas a fim de evitar confusões de nomenclatura e resguardar a importância dos ordenados como especiais servidores do povo. Contudo, acima disso, afirma-se a presidência de Cristo em toda ação litúrgica: “Cristo está sempre presente em sua Igreja, especialmente nas ações litúrgicas”. Como liturgias de fato, as celebrações da Palavra também são exercício da função sacerdotal de Cristo e da Igreja, seu corpo, com eficácia inigualável. Nelas, o corpo – cabeça e membros, entenda-se Cristo, fiéis leigos e pastores – presta culto a Deus (cf. SC 7).

O grande sinal da Assembleia

Sobressaem nas celebrações da Palavra, o valor das assembleias dominicais. A falta de ministros ordenados em número suficiente para atender às demandas das comunidades que celebram o dia do Senhor é algo de se lamentar. Mas essa situação faz com que as assembleias sejam revalorizadas e redescobertas em sua fecundidade e potencialidade. Reunidos no Domingo, em nome de Cristo, ainda que impossibilitados de realizar o que é próprio deste dia – a eucaristia – os fiéis não estão impedidos de fazer o que está ao seu alcance, nem impedidos, da presença do Senhor e da sua atuação. Como templo do Espírito, a Igreja figura como um grande sinal do encontro com Deus e com os irmãos em Cristo Jesus. Como sinal litúrgico, a Assembleia reunida demonstra a Igreja como estandarte erguido para as nações (cf. SC 2), como reflexo da luz de Cristo para o mundo (cf. LG 1), como Corpo de Cristo, como esposa por ele cuidada e como semente do Reino de Deus.

É interessante pensar que, do ponto de vista quantitativo, a Igreja tem se realizado também em contextos onde predomina a celebração da Palavra. Cumpre questionar que tipo de eclesiologia é gestada onde os ministérios hierárquicos não podem estar presentes. Vistas como uma riqueza de Cristo, do Espírito e da Igreja, essas situações – embora não se igualem àquelas ideais, onde se pode celebrar a eucaristia – laçam nova luz sobre o valor de nossas assembleias: o protagonismo dos fiéis leigos na vida litúrgica e eclesial, o exercício generoso do sacerdócio universal no âmbito das celebrações e a perseverança na comunhão eclesial em contextos de privação ministerial. Celebrando a Palavra no Dia do Senhor, os fiéis e as comunidades fomentam o seu desejo pela eucaristia, amam os padres e, quando têm acesso à missa, a celebram com intensa piedade e profundidade. Não falta a consciência pela vocação laical e a correta distinção ministerial.

Rever o discurso ministerial

O tom dos documentos a respeito da Celebração da Palavra no Dia do Senhor tem um forte acento restritivo. Embora a precaução do Magistério seja legítima, no sentido de preservar o sentido do ministério ordenado para a Igreja, pois só eles presidem a Eucaristia in persona Christi, no campo das expressões litúrgicas as celebrações da Palavra têm, contudo, convivido com algum déficit... A sacramentalidade da liturgia e da Palavra de Deus assume e incorpora os sinais humanos que podem convergir para o fortalecimento da Igreja nessas celebrações. Assumir uma nomenclatura presidencial laica e suas expressões litúrgicas afins não fere o específico da ministerialidade ordenada[5]. A própria diferenciação entre Eucaristia e Celebração Dominical da Palavra, já contextualiza claramente a diferenciação de natureza e grau dos ministérios.

Interessa, sobretudo, valorizar a presença do Senhor e sua ação carinhosa e condutora junto àqueles que, atualmente, tanto se esforçam por manter manifestada a presença eclesial, lá onde não podem estar nossos padres. Incentivar, formar e também valorizar liturgicamente esses novos contextos celebrativos e ministérios, requer, do ponto de vista simbólico, mais incentivos e menos receios, mais reforços e menos restrições.

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O Senhor esteja convosco

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[1] No Brasil, estima-se que mais de 70% das comunidades católicas não tem acesso à eucaristia no dia do Senhor.

[2] Os documentos do Magistério, de fato, fazem todos essas restrições. Contudo, elas visam diferenciar o ministério exercido pelos fiéis leigos daqueles exercidos pelos ministros ordenados.

[3] PAULO VI. Mysterium Fidei. Carta Encíclica sobre o culto da Sagrada Eucaristia,  34. Col. A voz do Papa, 32. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 22.

[4] Cf. Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas (IGLH), 7. Em: Ofício Divino renovado conforme decreto do Concílio Vaticano II e promulgado pelo Papa Paulo VI, tradução para o Brasil da segunda Edição Típica. Liturgia das Horas segundo o Rito Romano. Volume I – Tempo do Advento e Tempo do Natal. Aparecida: Ave-Maria – Vozes – Paulinas – Paulus, 1999, p. 25. 

[5] Refiro-me às questões discutidas que foram apresentadas no início do artigo. 

*Pe. Danilo César dos Santos Lima, presbítero da Arquidiocese de Belo Horizonte. Liturgista formado pelo Pontifício Instituto Litúrgico Santo Anselmo, em Roma. Leciona Liturgia e Homilética na PUC Minas. Membro da Celebra, Rede de Animação litúrgica. Colabora com o ensino da Liturgia em outras instituições de ensino, comunidades e dioceses. Email para contato: danidevictor@gmail.com.

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