segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Devoção portenha

domtotal.com
Escrito aos 24 anos, livro mostra um Jorge Luis Borges em busca de Buenos Aires.
Jorge Luis Borges, uma voz transcendental da literatura em castelhano.

Por Marco Lacerda*

 Jorge Luis Borges tinha 24 anos quando escreveu seu primeiro livro, uma edição apressada, à qual várias erratas tiveram de ser incluídas, cuja capa foi criada por sua irmã Norah. Eram 45 poemas sem prólogo que o autor dedicava a sua cidade natal à qual havia regressado menos de dois anos depois de passar sete com sua família na Europa, onde respirou pela primeira vez ares vanguardistas.

Décadas depois Borges recordaria que naquela época “estava em busca dos fins de tarde, das periferias, da pobreza”. Nesses primeiros versos ele fala de “ruas taciturnas” e se pergunta “se esta Buenos Aires multifacetada não é um sonho que as almas constroem em magia compartilhada”.

O título ‘Fervor de Buenos Aires’ até hoje soa peculiar. Borges se deixa levar pelo reencontro e põe a cidade em primeiro plano. A observação foi feita pela hispanista Lia Schwartz durante a recente apresentação, no Instituto Cervantes de Nova York, da primeira versão ilustrada do livro que comemora os 90 anos do debut de uma das vozes mais importantes e transcendentais da literatura em castelhano.

Um selvagem unitário

O novo volume, editado por Pedro Tabernero (que publicou também, Poeta en Nueva York, Diario de un poeta recién casado y Sombra del Paraíso) tem ilustrações do argentino Pablo Racioppi em 35 dos poemas que Borges selecionou e revisou para a edição original da obra, de 1969. Nela o escritor se define como “um selvagem unitário” e revela que no livro só trata de “temas sentimentais”.

Apesar das várias mudanças, típicas de Borges, feitas na versão original, o próprio escritor reconheceu muitos anos depois que nessa primeira antologia poética – ponto de partida para a etapa vanguardista que continua com ‘Luna de enfrente’ e ‘Cuadernos de San Martín’ – encontram-se as chaves de todo o seu trabalho posterior.

“A obra de Borges estava em constante mutação, ele tirava e punha trechos, levando editores à loucura”, recorda sua viúva Maria Kodama – única herdeira do espólio do autor depois de sua morte –que pretende publicar na Argentina as muitas versões de obras nas quais o autor trabalhou durante toda vida – mesmo sabendo que sempre foi odiada pelos portenhos, que a chamam de “a Yoko Ono argentina”.

*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Dom Total

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