quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Um banquete da iniquidade, uma proposta macabra

 domtotal.com
Constituição, crianças e educação vivem dias de pânico.
Jantar que feriu de morte a educação é o símbolo de um governo para as elites.
Jantar que feriu de morte a educação é o símbolo de um governo para as elites.

Por Élio Gasda*

A Constituição Federal, que completou 28 anos no dia 05 de Outubro, instituiu a educação como dever do Estado: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 205).

Criança feliz? Ao mestre com carinho? Estamos na semana da criança e do Dia do Professor. Rapinagem e perversidade sufocaram ânimos comemorativos. Constituição, crianças e educação vivem dias de pânico. Na segunda feira, 366 deputados aprovaram a PEC 241 que congela pelas próximas duas décadas os investimentos em saúde e educação. Rasgou-se a Constituição no mês de seu aniversário! Saúde e educação são as duas áreas mais problemáticas do Brasil e lideram a lista das prioridades para 2016 (IBOPE). Ambas precisam de mais dinheiro, e com urgência. Menos de 12 horas depois da aprovação da PEC, Temer vetou um artigo da MP 729 que destina recursos às prefeituras que acolhem crianças com deficiência nas creches municipais, beneficiadas pelo programa BPC (Benefício de Prestação Continuada).

Setores da Igreja Católica protestaram. Para o bispo de Campos (RJ), Dom Roberto Ferrería Paz, responsável pela Pastoral da Saúde, a proposta é “devastadora e brutal”. Pediu mobilização em defesa da Constituição, do Estado de Direito e do SUS. “O SUS é nosso, o SUS é direito conquistado”, disse Dom Roberto.

Também a educação está na iminência de viver o maior retrocesso da história do Brasil. A PEC inviabiliza o cumprimento da meta de universalizar o atendimento das crianças e adolescentes até 2020, como prevê o Plano Nacional de Educação. Não será possível incluir todos os brasileiros entre 4 e 17 anos na escola, muito menos qualificar professores. Ainda em maio o atual governo suspendeu novos contratos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e a seleção para oferta de bolsas dos programas Universidade para Todos (Prouni) e ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). A PL 867/2015 (escola sem partido) cujo arauto é um ator pornô, nega a liberdade de expressão do professor em nome da mera transmissão de conteúdo. Imagina ter um filho defensor de direitos humanos e admirador de Paulo Freire!

Desprovido de qualquer pudor, o governo considera desnecessário o aumento real nos investimentos em educação e saúde. Idosos, enfermos, crianças, professores, enfermeiros, agentes de saúde não cabem no orçamento. Quem perde são os pobres. Quem ganha? Ao retirar do Estado a possibilidade de fazer frente a crises, a PEC é demonstração de força do mercado e beneficia uma elite que não necessita dos serviços públicos de saúde e educação. O que a proposta coloca em risco é tão macabro que nenhuma sociedade em sã consciência pode aceitar. O governo ilegítimo deteriora ainda mais as duras condições de vida do povo para enriquecer a aristocracia, os donos do dinheiro. Imposto sobre grandes fortunas, previsto na Constituição de 1988, renderia 100 bilhões por ano. Mas prefere cortar remédio, fechar escolas e congelar o salário mínimo.  

O bispo de Roma, papa Francisco, adverte: “A educação é um direito humano. Um povo que não é educado, por causa da guerra ou por todas as razões que impedem a educação, é um povo em decadência e pode até voltar ao nível dos instintos” (Discurso ao Scholas Occurrentes. 17/09/2015). A educação tem por objetivo formar cidadãos. Nenhuma criança deve ser excluída deste processo porque a cidadania é igualitária. Para Francisco, a figura do professor é central neste processo: “Educar é um gesto de amor, é dar vida. E o amor é exigente, requer que utilizemos os melhores recursos, que despertemos a paixão e que nos coloquemos a caminho com paciência, juntamente com os jovens” (Plenária da Congregação para a Educação Católica, 13/02/2014). Mas como lutar pela educação quando as instituições funcionam como instrumentos de defesa dos privilegiados?

O jantar que antecedeu a votação que feriu de morte a educação é o símbolo de um governo para as elites - cleptocracia. O povo pagou um banquete para ricos aprovarem uma emenda que congela gastos sociais. Endinheirados brindaram a espoliação do trabalhador enquanto o país afunda. Ricos não dependem de escola pública e nem frequentam fila no posto do SUS. Banquete maldito, como todos os banquetes onde se decide a morte dos preferidos de Deus: “Ouvi esta palavra, vós, vacas de Basã, que estais no monte de Samaria, que oprimis os pobres, que esmagais os necessitados, que dizeis a vossos maridos: Trazei bebidas, alegremo-nos!” (Amós 4, 1). São Gregório, bispo de Nissa, reservou palavras duras para comensais perversos: “Enquanto há todos esses luxos dentro da casa, na porta estão mil Lázaros cujos clamores não são ouvidos... Nesta casa indecente se cometeu um duplo pecado: a gula e a luxuria, e o desprezo do pobre enxotado da sua porta”. Nunca é tarde para aprender a lição do Mestre: “Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, mancos, e os cegos. Feliz será você, porque estes não têm como retribuir” (Lc 14, 13-14). 

*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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