sábado, 12 de novembro de 2016

A Era da Intolerância, a ascensão dos “Candidatos Business” e a lucidez de Francisco

 domtotal.com
Eis que agora surge, mais escancarada, a era da intolerância que o historiador Eric Hobsbawm, talvez, não pensaria em escrever
Engana-se quem acha que os eleitores desses candidatos são apenas “da elite branca”.
Engana-se quem acha que os eleitores desses candidatos são apenas “da elite branca”.

Por Pedro Lima Junior*

Durante essa semana, o mundo assistiu boquiaberto a vitória do bilionário Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA contrariando todas as pesquisas que davam como certa a vitória de Hilary Clinton. Contudo, a maioria dos eleitores norte-americanos (e dos delegados), gozando de sua participação democrática – ou parte desta – escolheram o candidato republicano, que mesmo com suas já conhecidas declarações recheadas de ódio, preconceito e intolerância, deram-no o triunfo surpreendente nas urnas.

Intolerância é uma atitude que não é novidade na sociedade, que apesar das maçantes campanhas educativas em âmbito internacional e da História que sempre nos recorda dos crimes cometidos por este ato; a humanidade parece ter se esquecido que ser intolerante ou apoiar ações intolerantes é andar para trás; é destruir pontes de diálogo que demoraram décadas para serem erguidas, abrindo, assim, trilhas sombrias à barbárie.

Adianto que não queremos aqui culpar eleitores de Trump ou fazer análises simplistas sobre o perfil destes. Muito menos reproduzir o pessimismo das redes sociais pós vitória do republicano dizendo que o “mundo acabou”. Sem parecer presunçoso, mas, eu pertenço àqueles que afirmavam que nunca havia dormido, enquanto muitos no Brasil gritavam que “o gigante acordou”. Por isso, não sou ingênuo de achar que com Trump no poder chegou também o fim dos tempos. Numa conversa informal, um amigo de faculdade, que hoje é professor da UFF, disse: “até parece que o mundo estava perfeito até o resultado das eleições”. E reforço: ainda não é tempo de “fugir para as colinas”. Para aqueles que anseiam pelo meteoro do armagedom, lamento informar que o tempo hoje é de avaliação e de busca de maturidade.

Com Trump no poder, assistiremos a uma nova era, sem dúvida, que talvez refletirá nas políticas de muitos países. Se ele vai implementar todas as “promessas” de campanhas, principalmente as mais polêmicas, isso teremos que esperar para ver. Muitos analistas não acreditam, mas a instabilidade do presidente da maior potência mundial deixa-nos atentos.

Em todo caso, a política representativa está mostrando seus sintomas de crise em escala mundial. Quem de fato saiu ganhando nas últimas eleições – tanto as municipais no Brasil, quanto a presidencial nos EUA – foi a forte rejeição à própria política. Como entender os votos brancos, nulos e abstenções que bateram recordes nas principais capitais do Brasil? Desencanto? Protesto? Ou mera desinformação como defendeu o ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, tentando justificar algo que para ele “não me parece relevante” (?). Interessante notar que, tanto em São Paulo, quanto nos EUA, os dois candidatos, apesar de muitas diferenças, assemelham-se em algo: são “candidatos business”. Os dois foram apresentadores do reality show “the apprentice” – que no Brasil recebeu o nome de “o aprendiz”. Os showmen, agora políticos, se autoproclamam “apolíticos” dentro da política. Passam a imagem de gestores de sucesso que nunca precisaram da ajuda da política para ficarem ricos ou obterem êxito no mercado financeiro. Ou ainda, que políticos que estão no poder há anos não mudaram nada na cidade ou país, e em contrapartida, o “candidato business”, em pouco tempo na administração de sua empresa, obteve sucesso e lucro. Talvez isso ajude a explicar, em partes, o fenômeno Trump-Dória.

Quem são os eleitores desses candidatos? Em São Paulo, engana-se quem acha que são “da elite branca”, somente. Lembramos que Dória recebeu uma votação expressiva nas periferias da capital paulista, o que desmonta a análise rasa que alguns da esquerda fizeram ao dizerem que quem deu a vitória a João Dória em São Paulo são “pobres que acham que é classe média” ou afirmando que “paulistano é burro”. Nos EUA, os eleitores de Trump não são somente os magnatas liberais e conservadores ou fascistas declarados, mas pessoas de classe média, homens, a maioria com baixa escolaridade que perderam seus empregos, que sofrem o arrocho salarial e que não possuem o mesmo padrão de consumo como antes, e que viram nas promessas de Trump o ressurgimento da fênix da “Velha América”.

Essas camadas sociais não enxergam mais na política tradicional e na democracia liberal as mudanças reais para sua vida. É melhor, então, acreditar no administrador-candidato-a-político-apolítico (no caso brasileiro) ou naquele que nos promete make america great again (fazer da América grande de novo), mesmo que com isso o eleitor compactue com o seu discurso de intolerância. A justificativa dada é que “nossos empregos foram roubados pelos imigrantes e nossas grandes indústrias foram fatiadas pelo mundo por culpa da globalização” [sic]. Algo semelhante aconteceu na Alemanha e na Itália pós crise de 1929. A ascensão de partidos nazifascistas nos dois países foi a resposta encontrada.

Eis que agora surge, mais escancarada, a era da intolerância que o historiador Eric Hobsbawm, talvez, não pensaria em escrever. Como diagnóstico global, poderíamos citar: a vitória do “não” ao acordo de paz com as Farc na Colômbia; O referendo do Brexit que retirou o Reino Unido da União Europeia; o crescimento de figuras políticas populistas ultraconservadoras na Europa e no Brasil, como Jair Bolsonaro. Como professor, tenho percebido uma indiferença quase banalizada quando tratamos em sala de aula assuntos pertinentes como a violência contra mulher, o estupro, o racismo, a homofobia, o machismo, o sexismo... Não por acaso os temas da redação do Enem que tratam desses assuntos são vistos por esses como temas de “esquerdistas”, como se o combate a todas as formas de preconceito não fosse papel da sociedade, independente da filiação partidária ou ideológica.

Talvez isso seja reflexo de uma pseudoformação ofertada pelos memes políticos, com explicações rasas da realidade, petrificando o senso comum (cheios de ódio) nas redes sociais. Ora, a falácia do projeto da Escola Sem Partido unido à uma paranoia esquizofrênica de ver doutrinação marxista em tudo, revela que tipo de indivíduos os defensores da proposta pretendem formar. Trata-se de uma tendência que se tornou mundial, e cenas dos próximos capítulos estão para serem escritas, infelizmente, com a extrema-direita de cunho fascista na Alemanha com Frauke Petry e na França com Marine le Pen. Em 2017 terá eleições por lá! Aguardemos!

Entretanto, enquanto muitos escolhem o caminho do ódio, do “choque entre as civilizações” e do terrorismo de Estado para sair da crise estrutural-econômica que vivemos, o Papa Francisco tem dado a todos um testemunho de lucidez, juntamente com os movimentos sociais e populares, indicando que a “porta estreita” que leva a um mundo de Justiça e de Paz é do diálogo, da misericórdia e da solidariedade.

Longe de cristianizar a discussão, mas, à guisa de iluminação para o sombrio presente e um futuro incerto, busco as palavras de Papa Francisco no 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares que aconteceu semana passada no Vaticano entre 02 à 05 de novembro. (Assista ao resumo do encontro neste vídeo). Segundo o site da Radio Vaticana, o encontro contou com a participação de 170 delegados de 65 países. O corajoso Francisco não temeu em fazer referência ao sensato ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, dizendo:

“Qualquer pessoa que tenha demasiado apego por coisas materiais ou pela autoimagem. A quem é apegado ao dinheiro, aos banquetes exuberantes, às suntuosas mansões, às roupas refinadas, e aos carros de luxo, aconselharia que descubra o que está passando em seu coração, e que reze a Deus para que o liberte dessas amarras. Mas, parafraseando o ex-presidente latino-americano que está aqui presente: ‘aquele que tem amor por todas essas coisas, por favor, que não entre na política, que não entre em uma organização social ou em um movimento popular, porque vai fazer muitos danos a si mesmo e ao próximo, e vai manchar a nobre causa que assumiu’. Tampouco que entre no seminário”. (Tradução nossa)

Esta é a ética universal da política que começa na descoberta daquilo que se passa no meu coração. O discurso de ódio só encontra seguidores quando o indivíduo não consegue lidar com os dramas existenciais que o cerca. Por isso a crescente hostilidade ao outro que é diferente de mim e ao mesmo tempo tão próximo.  Em seu discurso, o Papa elenca algumas tarefas imprescindíveis para caminhar na direção a uma alternativa humana diante daquilo que ele nomeou como globalização da indiferença: 1. Colocar a economia à serviço dos povos; 2. Construir a paz e a justiça; 3. Defender a Mãe Terra. E reafirma os direitos fundamentais do ser humano nos 3 Ts: Terra, Teto e Trabalho. Leia o pronunciamento na íntegra.

Prescindir da política participativa e relegar os rumos do mundo a um “salvador da Pátria” é atestar que, realmente, sou conduzido como uma manada ao matadouro. Essa era da intolerância clama por pessoas que sejam criativas e carismáticas como o ateu Pepe Mujica e que sejam sonhadoras e práticas como do cristão Martin Luther King. Ou seja, as diferenças culturais não são barreiras, mas riquezas que promovem a raça humana. E por mais clichê que pareça, é na crise que surgem as oportunidades. Quiçá para o nascimento de uma outra Era possível.

*Pedro Lima Junior é pai do Pi e esposo da Si. É historiador, cientista da religião, professor, inaciano, atleticano e gosta de escrever informalmente no blog http://pedrolimajr.tumblr.com/. Colabora agora no site Dom Total.

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