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A natureza já não chora como antes, os que partiram.
Que este dia de Finados nos sirva para também meditar muito além das flores.
Por Evaldo D´Assumpção*
Lembro-me da minha juventude, quando a chuva fina caía do céu nublado e cinza, marcando o dia 2 de novembro. Quase todo ano era a mesma coisa. Meu pai, levando a família para a tradicional visita ao cemitério refletia conosco: “A natureza está chorando a saudade dos que já se foram...” Esta imagem ficou marcada em minha memória.
Passaram-se os anos, mudaram-se os costumes, contudo para muitos o Dia de Finados ainda continua sendo dia de visitar os entes queridos que já partiram, deixando atrás de si a memória do que falaram e fizeram, e na necrópole, a lápide fria hoje registrando seus nomes com a data do nascimento marcada por uma estrela, e a data do falecimento com uma cruz.
A natureza porém, já não chora como antes, os que partiram. Fico me perguntando se porque a morte se tornou tão vulgar, seja pela sua ocorrência estatisticamente cada vez maior; quem sabe pelo aumento populacional que cresce geometricamente, tirando das pessoas um importante naco de significado; ou pela banalidade da própria vida, hoje sendo suprimida, roubada, extirpada, violentada, pelas mais variadas vias. Basta abrir os jornais ou ligar a televisão para ver desfilar assassinatos, latrocínios, estupros, veículos individuais e coletivos transformados em mortalhas de ferro retorcido pela velocidade acelerada pela tecnologia descontrolada, irresponsavelmente acasalada com a ingestão alcoólica e pelo consumo de drogas usadas como lenitivo para as frustrações. A tudo isso acrescente-se a saturação dos prazeres desregrados, que tira do humano seu equilíbrio emocional, a sua noção de responsabilidade para consigo mesmo e para com os outros.
A essas tantas causas se somam outras, representadas que são pelas doenças não tratadas num sistema de saúde falido – pois mal gerido –; pelo descuido e desrespeito aos idosos, às crianças de pais ausentes, aos deficientes físicos e mentais. Outras mais se somariam, mas já as conhecemos de sobra.
Contudo, por curiosas motivações, ainda hoje o dia 2 de novembro se torna memorável pelos cemitérios cheios, pelas flores (devidamente vendidas por preços exorbitantes nas floras da proximidade) depositadas nos túmulos, que depois voltarão a ser esquecidos no resto do ano. Os zeladores dos chamados “campos-santos” aproveitam esta época como os flanelinhas o fazem nas portas de clubes e teatros, faturando polpudas gorjetas para limpar o negro granito, e encerá-lo para dar vida nova à imaginária moradia dos que já estão mortos.
Confesso que há muito não faço tais visitas. Tenho convicção de que meus queridos já falecidos, nada mais têm a ver com aqueles mausoléus, muitos deles até mesmo agressivos diante da pobreza do mundo. Alguns deles, autênticos monumentos à consciência pesada dos que ficaram, talvez porque em vida não lhes deram atenções devidas. Prefiro preservar a lembrança dos meus queridos que se foram, em minha mente e em meu coração. Conversar com eles em preces frequentes, na certeza de que todos estão no gozo da vida eterna e nos braços do Criador, Abba – paizinho – que a todos acolhe em seu reino, e com olhar misericordioso.
Não critico nem censuro – se o fizesse estaria contradizendo e negando a lição do Mestre que disse: “não julgueis, para não serdes julgados” –, apenas medito sobre os comportamentos da humanidade, que hoje vejo tão distanciada dos autênticos valores que o mesmo Mestre nos ensinou. E que por isso mesmo sofre tanto, angustiada e estendendo os braços em súplica, todavia pouco ou nada recebendo, pois sequer sabe o que pedir, o que realmente necessita. Apenas escrevo meus pensamentos tentando compartilhar com todos os meus irmãos, homens e mulheres, a paz que aprendi buscar, consciente da impermanência que permeia a tudo e a todos neste tempo de vida material em que nos encontramos. Tempo tão curto, tão insignificante diante do infinito que é a eternidade de Deus
Que este dia de Finados nos sirva para também meditar muito além das flores, velas e visitas. Estas têm a transitoriedade, a impermanência da própria vida. Meditemos sim, e especialmente, nos ensinamentos de Cristo que afirma termos sido criados para a vida, e não para a morte. Recordemos dos nossos queridos, mas com alegria, pois todos eles já estão na vida eterna, não em túmulos frios de cemitérios. E os que estão em Deus, estão permanentemente ao nosso lado, uma vez que o próprio Deus está sempre conosco.
* Evaldo D´Assumpção é médico e escritor
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