quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Finados

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A natureza já não chora como antes, os que partiram.
Que este dia de Finados nos sirva para também meditar muito além das flores.
Que este dia de Finados nos sirva para também meditar muito além das flores.

Por Evaldo D´Assumpção*

Lembro-me da minha juventude, quando a chuva fina caía do céu nublado e cinza, marcando o dia 2 de novembro. Quase todo ano era a mesma coisa. Meu pai, levando a família para a tradicional visita ao cemitério refletia conosco: “A natureza está chorando a saudade dos que já se foram...”  Esta imagem ficou marcada em minha memória.

Passaram-se os anos, mudaram-se os costumes, contudo para muitos o Dia de Finados ainda continua sendo dia de visitar os entes queridos que já partiram, deixando atrás de si a memória do que falaram e fizeram, e na necrópole, a lápide fria hoje registrando seus nomes com a data do nascimento marcada por uma estrela, e a data do falecimento com uma cruz.

A natureza porém, já não chora como antes, os que partiram. Fico me perguntando se porque a morte se tornou tão vulgar, seja pela sua ocorrência estatisticamente cada vez maior; quem sabe pelo aumento populacional que cresce geometricamente, tirando das pessoas um importante naco de significado; ou pela banalidade da própria vida, hoje sendo suprimida, roubada, extirpada, violentada, pelas mais variadas vias. Basta abrir os jornais ou ligar a televisão para ver desfilar assassinatos, latrocínios, estupros, veículos individuais e coletivos transformados em mortalhas de ferro retorcido pela velocidade acelerada pela tecnologia descontrolada, irresponsavelmente acasalada com a ingestão alcoólica e pelo consumo de drogas usadas como lenitivo para as frustrações. A tudo isso acrescente-se a saturação dos prazeres desregrados, que tira do humano seu equilíbrio emocional, a sua noção de responsabilidade para consigo mesmo e para com os outros.

A essas tantas causas se somam outras, representadas que são pelas doenças não tratadas num sistema de saúde falido – pois mal gerido –; pelo descuido e desrespeito aos idosos, às crianças de pais ausentes, aos deficientes físicos e mentais. Outras mais se somariam, mas já as conhecemos de sobra.

Contudo, por curiosas motivações, ainda hoje o dia 2 de novembro se torna memorável pelos cemitérios cheios, pelas flores (devidamente vendidas por preços exorbitantes nas floras da proximidade) depositadas nos túmulos, que depois voltarão a ser esquecidos no resto do ano. Os zeladores dos chamados “campos-santos” aproveitam esta época como os flanelinhas o fazem nas portas de clubes e teatros, faturando polpudas gorjetas para limpar o negro granito, e encerá-lo para dar vida nova à imaginária moradia dos que já estão mortos.

Confesso que há muito não faço tais visitas. Tenho convicção de que meus queridos já falecidos, nada mais têm a ver com aqueles mausoléus, muitos deles até mesmo agressivos diante da pobreza do mundo. Alguns deles, autênticos monumentos à consciência pesada dos que ficaram, talvez porque em vida não lhes deram atenções devidas. Prefiro preservar a lembrança dos meus queridos que se foram, em minha mente e em meu coração. Conversar com eles em preces frequentes, na certeza de que todos estão no gozo da vida eterna e nos braços do Criador, Abba – paizinho – que a todos acolhe em seu reino, e com olhar misericordioso.

Não critico nem censuro – se o fizesse estaria contradizendo e negando a lição do Mestre que disse: “não julgueis, para não serdes julgados” –, apenas medito sobre os comportamentos da humanidade, que hoje vejo tão distanciada dos autênticos valores que o mesmo Mestre nos ensinou. E que por isso mesmo sofre tanto, angustiada e estendendo os braços em súplica, todavia pouco ou nada recebendo, pois sequer sabe o que pedir, o que realmente necessita. Apenas escrevo meus pensamentos tentando compartilhar com todos os meus irmãos, homens e mulheres, a paz que aprendi buscar, consciente da impermanência que permeia a tudo e a todos neste tempo de vida material em que nos encontramos. Tempo tão curto, tão insignificante diante do infinito que é a eternidade de Deus
Que este dia de Finados nos sirva para também meditar muito além das flores, velas e visitas. Estas têm a transitoriedade, a impermanência da própria vida. Meditemos sim, e especialmente, nos ensinamentos de Cristo que afirma termos sido criados para a vida, e não para a morte. Recordemos dos nossos queridos, mas com alegria, pois todos eles já estão na vida eterna, não em túmulos frios de cemitérios. E os que estão em Deus, estão permanentemente ao nosso lado, uma vez que o próprio Deus está sempre conosco.

* Evaldo D´Assumpção é médico e escritor

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