O ensino de engenharia tem de mudar. Tem de mudar porque o mundo mudou.
Sem empreendedorismo e inovação não há futuro. (Reprodução)
Por José Antônio de Sousa Neto*
Caros leitores, a minha formação na escola de engenharia, 'não faz muito tempo atrás' e vocês certamente me 'darão um desconto' com relação a este detalhe, foi em um período que em grande medida começava a colocar em outro patamar a nova revolução tecnológica e da informação. De lá para cá temos vivenciado, mesmo com alguns retrocessos e naturais resistências pontuais que sempre fazem parte do processo de evolução humana, algumas inevitáveis consolidações em um contexto que talvez possamos definir como de hipercompetição:
- Desregulamentação/globalização.
- Aceleração do surgimento de novas tecnologias (dobrando a cada 15 anos).
- Riscos e custos crescentes dos investimentos em novas soluções tecnológicas e P&D (Pesquisa e Desenvolvimento).
- Conscientização de que sem sustentabilidade não existe de fato desenvolvimento.
Em grande medida, e não faz tanto tempo assim, desculpe-me novamente o leitor, os estudantes e profissionais de engenharia visavam longos e estáveis empregos no setor público ou no setor privado. Um ou outro, mesmo nos países mais avançados, tinham a perspectiva do empreendedorismo, fossem nestas organizações ou em voos solo. Não há mais como as coisas serem assim!
Lanço mão aqui do trabalho do meu amigo, o professor Aldemir Drummond, para falar um pouquinho sobre redes. Para isso, é preciso entender que, no processo acelerado de mudanças pelo qual passa o mundo, é evidente que muitas competências necessárias à prática da engenharia estão fora das empresas/organizações e além do alcance dos profissionais que agem apenas de forma isolada. Ou, colocando de outra maneira, essas competências não podem ser acessadas de uma única fonte. O professor Aldemir nos sumariza alguns pressupostos básicos para a definição de redes:
. Alguém depende de recursos que são controlados por outro, existindo ganhos na junção dos recursos.
. Na essência, os componentes de uma rede concordam em abrir mão do direito de perseguir seus interesses próprios à custa dos outros (isto é, situações em que o ganho de um aumenta na medida em que o do outro diminui).
. Palavra-chave: interdependência.
. A complementaridade e a acomodação são as bases para o funcionamento de redes produtivas.
. A cooperação emerge a partir de interesses mútuos e o comportamento é baseado em padrões que nenhum indivíduo pode determinar sozinho.
. A consequência é a geração de confiança.
Quando então são as redes adequadas no contexto da engenharia?
- Há necessidade de informação confiável e de alta qualidade que pode significar inovação, competitividade e sustentabilidade.
- A informação mais útil é aquela que vem de alguém com quem você já lidou no passado e julga ser confiável.
- Trocas em que o valor do objeto não é facilmente mensurável (exemplo: conhecimento; um tipo específico de abordagem ou produção; uma filosofia de trabalho).
- Considerações estratégicas – como esforços para garantir acesso a recursos críticos, ou para obter habilidades que não podem ser produzidas internamente – certamente parecem pesar mais do que a simples preocupação com a redução de custos.
- As empresas, organizações e indivíduos muitas vezes sabem mais do que imaginam saber, mas às vezes esse insight só ocorre realmente na prática através da colaboração externa.
- Raramente as soluções estão em um só lugar.
- Compartilhar e colaborar são características essenciais das novas soluções de projetos e de engenharia.
Para ilustrar gostaria que vocês dessem uma olhada no slide abaixo que mostra o exemplo da Procter & Gamble. A empresa há mais de dez anos já priorizava esta perspectiva que estamos abordando neste texto. É uma boa ilustração de uma organização que é 'plena' de engenharia sem ser de engenharia. Até porque, como já escrevemos aqui neste site anteriormente, inovação é quando damos às invenções concretude e aplicabilidade prática e quem faz isso em última instância no campo da ciência é a engenharia.
Para o setor de engenharia o que vemos neste slide acima é evidentemente ainda mais contundente:
- Os profissionais, empresas e organizações de engenharia (incluindo escolas) que têm esta perspectiva e mindset são superiores em sua capacidade de organizar e mobilizar conhecimento e soluções.
- Engenharia em rede pode combinar as vantagens dos conhecimentos internos e externos conforme apresenta o slide abaixo que convido o leitor a analisar:
Por tudo isso fica evidente que o ensino de engenharia tem de mudar. Tem de mudar porque o mundo mudou. A prática da engenharia exige, além do essencial conhecimento técnico básico de altíssima qualidade e de novas tecnologias, novas competências e novas perspectivas. Sobre isso já falamos aqui em oportunidades anteriores.
Já falamos sobre a imensa importância da Engenharia Sustentável como o mindset de se fazer boa engenharia e da inovação que está na sua mais preciosa essência.
Sem empreendedorismo e inovação não há futuro. As escolas de engenharia vão ter de reaprender a ensinar e os estudantes e os profissionais de engenharia que estão no mercado vão ter de ensinar a si mesmos a reaprender. Ainda bem que não tem outro jeito! Em um mundo cada vez mais complexo não dá mais para fazer boa Engenharia Sustentável apenas sozinho.
As boas soluções e a boa engenharia, do projeto inicial até a sua completa implementação, têm conhecimento obtido em rede e frequentemente, e cada vez mais, por equipes com colaboração 'global' mesmo em projetos locais. A própria rede além de facilitar a inovação é muitas vezes a inovação em si mesma!
*José Antônio de Sousa Neto: Professor da Escola de Engenharia de Minas Gerais (EMGE). PhD em Accounting and Finance pela University of Birmingham no Reino Unido.
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