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Nestes tempos difíceis, que a Igreja se mantenha firme ao lado dos abandonados à própria sorte, àqueles que não podem contar com um governo a serviços dos ricos.
Pobre povo brasileiro, debochado por seu próprio governo. (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Por Élio Gasda*
2016, para que não se repita, não pode ser esquecido.
Um crime gravíssimo foi cometido contra a nação sem que muitos se deem conta. A democracia já não vigora desde abril. O Estado de Direito foi destroçado pelo complô antidemocrático. Um falso processo jurídico mandou às favas a legalidade, a democracia e o respeito pela verdade. O Congresso mais ficha-suja da história, aquele que condenou uma pessoa honesta, continuará imprescindível para a sobrevivência do governo cleptocrata. Ministros, deputados, senadores e magistrados mostram toda sua hipocrisia e despreparo. O judiciário, comprometido com os interesses da oligarquia é o principal retrato do atraso. Onde assentar um resquício de esperança democrática? Haveria de ser na justiça. No Brasil ela não existiu em 2016. A Constituição foi violentada por aqueles que deveriam zelar por ela. A democracia, linchada publicamente, talvez tenha que esperar 2018.
O ano de 2016 revelou como funciona a articulação entre mídia, judiciário e sistema financeiro. Servindo-se da desonestidade, da mentira e da apelação, a mídia reproduziu convictos desinformados e inocentes úteis. Atua de forma rasteira para convencer a população a curvar-se às maldades do governo. Mediocridade e obscurantismo a propagar tolices e besteirol desenfreado. O dinheiro governa as instituições.
Entramos na contramão da história. Uma sucessão de atos sinistros colocou o Brasil à beira de uma tragédia humanitária: Congelamento dos gastos públicos, ampliação das desigualdades, extinção das leis trabalhistas, reforma da previdência. A conspiração da elite escravocrata mais avarenta do planeta quer manter os pobres em sua condição de inferioridade. Também perde a soberania nacional, pois grupos privados se apoderaram do Estado e colocaram o Brasil à venda. Os ricos esfregam as mãos de contentamento enquanto os trabalhadores, estudantes, aposentados são reprimidos com violência. Pobre povo brasileiro, debochado por seu próprio governo.
Para um país que foi rebabanizado (Joaquim Barbosa), o ano termina dentro do previsto. O que há para comemorar nas festas de fim de ano? A rapina e a perversidade que jogaram o país no autoritarismo? O maquiavelismo em estado puro? O aumento vertiginoso do desemprego? A venda do patrimônio nacional? O analfabetismo político da maioria do povo brasileiro? A volta dos conservadorismos que acusam até papa Francisco de comunista? O surto de mediocridade em que o país está mergulhado? O Judiciário, partidário e aristocrático, que defende os ricos e condena os pobres? O que esperar?
Nestes tempos difíceis, que a Igreja se mantenha firme ao lado dos abandonados à própria sorte, àqueles que não podem contar com um governo a serviços dos ricos. A Doutrina Social da Igreja exorta a manter a coerência e a fidelidade na defesa da dignidade humana, da justiça, do bem comum e a confrontar o pecado social.
Tempos sombrios exigem valentia de cada democrata, de cada cidadão, de cada organização social. O levante dos estudantes as ocupações urbanas e rurais, as mobilizações indígenas, das mulheres e negros, dos movimentos sociais, as greves são um contraponto à inércia que tomou conta da sociedade brasileira. O tempo é superior ao espaço. É preciso continuar trabalhando com paciência, diante das situações difíceis e hostis que o dinamismo da realidade impõe (Evangelii Gaudium, n.223). Privilegiar os processos novos e sujeitos que despontam nas frentes de resistência.
A medida intrínseca da política é a justiça e o direito (Deus caritas est, n. 28). Ambos foram quebrantados em 2016. Os cristãos estão intimados a engrossar as lutas na retomada da democracia, na defesa do Estado de direito e da justiça social. A Igreja, “que não pode ficar à margem na luta pela justiça” (Evangelii Gaudium, n. 183), soma-se a todos que transgridam os esquemas da política estabelecida pelos usurpadores do poder que prejudicam os pobres. O Evangelho é uma instância crítica e o cristão é um subversivo diante das estruturas de poder que são injustas e opressoras.
Assim como Jesus, a Igreja coloca-se no meio da sociedade como aquela que serve (Lc 22, 26-27). É um erro pensar que o cristão expressa o seu ser Igreja apenas na comunidade eclesial. O cristão, como qualquer cidadão, é responsável pelo aperfeiçoamento de instituições públicas. 2016 foi o ano da páscoa de Dom Paulo Evaristo Arns, um dos maiores símbolos na luta contra a ditadura militar e uma referencia mundial na defesa dos direitos humanos. Que suas palavras sejam inspiradores para o ano que começa “Deus só ajuda quem se organiza”. Não se intimide.
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). Escreve às quartas-feiras.
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